Profa. Dra. Izabella Thaís Silva Dpto. de Farmácia, UFSC

O uso de pequenos órgãos humanos, criados em laboratório, para estudar vírus potencialmente pandêmicos, como o SARS-CoV-2 (causador da COVID-19) e o Influenza (causador da gripe), não é novidade. Inclusive a relevância científica desse tema foi recentemente abordada em um interessante texto aqui no Cientistas Descobriram Que…
A grande novidade é a criação de um sistema interligado que imita, de forma muito mais realista, as vias aéreas humanas. Essa criação recente dos pesquisadores da Universidade de Harvard, Boston (EUA), batizado como “vias aéreas humanas em um chip ou Airway Chip”, é um dispositivo que contém dois pequenos canais paralelos separados por uma membrana porosa recoberta por matriz extracelular (detalhes podem ser vistos na figura abaixo). De um lado da membrana, os pesquisadores colocaram células-tronco pulmonares humanas cultivadas numa interface líquido-ar e, do outro lado, incluíram células de vasos sanguíneos (endotélio), provenientes de pulmão humano, expostas a um fluxo contínuo de líquido que imita o nosso sistema vascular. Este dispositivo ainda permite a diferenciação das células-tronco em uma camada de tecido (epitélio) com células especializadas muito semelhantes ao que encontramos nas vias aéreas humanas.
Além disso, os pesquisadores demonstraram que a região que representa as vias aéreas do chip é capaz de funcionar como receptor para a entrada de vírus respiratórios, como o SARS-CoV-2, causador da COVID-19.
Outra grande novidade com Airway Chip é que ele permite avaliar a influência exercida por nosso sistema imunológico, algo que não pode ser levado em consideração quando são empregados experimentos estáticos com culturas de células bidimensionais ou organoides isolados. Sabe-se que o recrutamento de células do sistema imune (neutrófilos) para o local da infecção no epitélio das vias aéreas contribui grandemente para a patogênese do Influenza Vírus e do SARS-CoV-2 no pulmão. Os cientistas de Harvard fizeram um experimento introduzindo neutrófilos isolados de seres humanos no canal vascular do Airway Chip infectados previamente com os vírus Influenza H1N1 ou H3N2. Eles observaram um recrutamento das células imunes circulantes para a superfície do endotélio dos Airways Chips infectados enquanto uma adesão mínima de neutrófilos foi observada em Airway Chips não infectados. Em seguida, os neutrófilos ultrapassaram as células do endotélio e dos poros revestidos de matriz extracelular da membrana até o epitélio das vias aéreas para “atacar” as células infectadas com o vírus Influenza A, que em seguida formaram aglomerados e diminuíram de tamanho ao longo do tempo. Isso resultou na eliminação do vírus durante um período de 1-2 dias, o que não ocorreu na ausência de neutrófilos. Consistente com a capacidade do vírus Influenza H3N2 em induzir uma inflamação mais forte em comparação ao H1N1 in vivo, o H3N2 também estimulou mais neutrófilos do que o H1N1 e a infiltração de neutrófilos no epitélio diminuiu significativamente os títulos virais de H1N1 e H3N2 no Airway Chip, corroborando o papel protetor que os neutrófilos fornecem ao eliminar o vírus do organismo.
Por fim, para verificar se o Airway Chip poderia ser usado como um modelo para avaliar a eficácia de potenciais agentes antivirais, os pesquisadores testaram primeiramente o TAMIFLU® (Oseltamivir), um fármaco anti-influenza amplamente empregado na clínica. Para isso, eles introduziram o fármaco no canal vascular do Airway Chip infectado com H1N1 em uma concentração que simula seus níveis sanguíneos após administração oral em humanos. O Oseltamivir inibiu eficientemente a replicação do Influenza vírus, preveniu os danos no epitélio causados pelo vírus e reduziu a produção de múltiplas citocinas inflamatórias, efeitos muito similares aos observados em humanos.
A atual pandemia de COVID-19 e outras pandemias em potenciais causadas por vírus respiratórios representam perigos iminentes e grandes preocupações de saúde pública. Quando se trata de desenvolvimento de fármacos, quer sejam novos ou a partir daqueles já aprovados para o tratamento de outras patologias, todo ensaio experimental tem suas limitações. No entanto, ao se combinar ensaios in vitro 2D, com órgãos humanos em chips capazes de simular o sistema fisiológico humano bem como experimentos em animais, focando nos fármacos que sejam ativos em todos os modelos empregados, tem-se um caminho mais rápido para identificar possíveis tratamentos para a atual crise da COVID-19, com maior probabilidade de funcionar em pacientes humanos.
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