Por Virginia Meneghini Lazzari – Departamento de Biologia Celular, UFSC
Caros leitores, vocês já pararam para pensar que mesmo as informações científicas podem ter uma “narrativa literária”? Pois então, estou aqui para contar para vocês uma história científica sobre amor e espermatozoides.
Começando pelo início…. Para que uma nova vida se forme, é necessário que ocorra a fecundação: a junção de um espermatozoide com um óvulo. Essa união ocorre após uma maratona de natação dos espermatozoides, em que milhões deles competem pelo mesmo óvulo. O caminho percorrido por estes milhões de espermatozoides impõe uma série de obstáculos para selecionar o espermatozoide mais apto à fecundação. Mas o que será que torna um espermatozoide “o escolhido”? Seria seu formato? Suas habilidades físicas ou químicas? Sua agilidade? Seu “amor”?
Falando sobre amor, temos a ocitocina, conhecida popularmente como o “hormônio do amor”. Na verdade, a ocitocina é uma pequena proteína produzida pelo sistema nervoso, que atua em uma série de situações e locais no corpo. A ocitocina foi caracterizada inicialmente como um hormônio feminino, devido ao seu papel essencial na indução do parto e na ejeção do leite na amamentação. Hoje em dia se sabe que, na verdade, a ocitocina está envolvida não só nestas situações, mas também atua modulando comportamentos sociais e sexuais em fêmeas e machos.
Em machos, a ocitocina facilita o comportamento sexual, como a ereção peniana e a ejaculação. Durante a ejaculação, uma explosão de ocitocina é liberada para a circulação sanguínea que, chegando ao sistema reprodutor masculino, estimula células musculares lisas a contraírem, ocasionando o transporte e liberação dos espermatozoides. A ocitocina também está envolvida em uma série de comportamentos sociais complexos, atuando através da ativação de vias de recompensa cerebrais em relação a memórias positivas românticas, relacionamentos de parceria, qualidade do relacionamento, grau de compreensão do parceiro e apreciação. Em outras palavras: eis aí um hormônio que atua no amor e no sexo!
Cientistas descobriram que, além dessa produção pelo sistema nervoso, a ocitocina e seu receptor também são produzidos nos testículos, epidídimo e próstata, sugerindo uma ação local importante. Estudos recentes descobriram que a ocitocina estimula a proliferação de células da linhagem espermática e a produção de testosterona no testículo. Na próstata, a ocitocina modula os níveis de hormônios masculinos, potencializando o efeito da testosterona (estimula a conversão da testosterona em diidrotestosterona). Em outras palavras: o “hormônio do amor” aumenta a quantidade de espermatozoides e de hormônios relacionados à libido sexual em homens.
Mas essa relação não para aí: um estudo publicado em 2023, encontrou pela primeira vez ocitocina localizada dentro dos espermatozoides humanos. Agora se sabe que, além de este hormônio estar presente em órgãos do sistema reprodutor masculino, ele também é incorporado aos espermatozoides que são liberados na ejaculação. Neste estudo, foram comparadas amostras de homens com parâmetros de fertilidade normais e amostras que apresentavam alguma alteração nestes parâmetros: amostras com espermatozoides com menor grau de motilidade (astenozoospermia), amostras com baixo número de espermatozoides (oligozoospermia) e amostras com espermatozoides com morfologia inadequada (teratozoospermia). Em todas as amostras com parâmetros de fertilidade alterados, a ocitocina estava menos expressa, em comparação com amostras com parâmetros normais.
Além disso, o estudo comparou espermatozoides com motilidade progressiva rápida, motilidade progressiva lenta, motilidade não progressiva e imóveis. Espermatozoides rápidos apresentaram maiores concentrações de ocitocina que os lentos, e espermatozoides progressivos (rápidos e lentos) apresentaram mais ocitocina que os imóveis. O estudo encontrou, portanto, uma associação entre os níveis de ocitocina e a motilidade dos espermatozoides, sugerindo que a ocitocina pode ser um importante mediador da rapidez da natação dos espermatozoides.
Será então a presença de ocitocina um dos fatores que faz com que o espermatozoide seja “o escolhido”? Essa resposta ainda não temos, mas, de fato, os espermatozoides que possuem maiores chances de fertilização são os que apresentam maiores quantidades do “hormônio do amor” em sua essência.
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