Antivitaminas: uma nova estratégia no combate a bactérias resistentes a antibióticos?

Por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências de Lisboa, Portugal

Provavelmente, o tema da resistência bacteriana aos antibióticos já foi diversas vezes abordado neste blog. Mas nunca é demais insistir, pois estas superbactérias continuam a ser uma ameaça real em saúde pública.

Tradicionalmente as infecções bacterianas combatem-se com a administração de antibióticos que atuam sobre alvos bacterianos específicos como os ribossomos ou parede celular que, de uma forma genérica, permitem a eliminação das bactérias. Estas estruturas celulares formam-se de acordo com as instruções (expressão dos genes) contidas no DNA cromossômico (genoma) da bactéria. As bactérias na sua extraordinária capacidade de adaptação, podem tornar-se resistentes a determinados antibióticos quando o gene que codifica o referido alvo sofre uma mutação e o produto resultante da sua expressão passa a apresentar uma diferença estrutural deixando de ser reconhecido pelo antibiótico. E, atenção!, que já são muitos os genes mutados que se têm disseminado pelas inúmeras espécies bacterianas.

Então o que há de novo relativamente a esta questão? Como em muitas descobertas científicas, a história começa quando os investigadores se questionam para além dos limites dos esquemas mentais pré-estabelecidos. Foi o que aconteceu com um grupo de investigação liderado por Kai Tittmann, que propôs uma alternativa para debelar as bactérias recorrendo a um grupo de moléculas raras – as antivitaminas. Como todos Continuar lendo

A pele humana a partir da bioengenharia de células-tronco

Por Marco Augusto Stimamiglio – Instituto Carlos Chagas – Fiocruz/PR

A pele é o maior órgão do nosso corpo e é vital à nossa saúde e ao nosso bem-estar. Além de atuar como a primeira linha de defesa do organismo contra agentes invasores como bactérias e vírus, a pele mantém o equilíbrio dos fluídos e a temperatura corporal. Ela é altamente sensível, reagindo a sensações de toque e dor. A estrutura da pele é bastante complexa, composta de várias camadas organizadas. Dentre estas camadas, existem células de gordura, nervos, glândulas e folículos pilosos. Neste sentido, apesar dos cientistas dominarem técnicas de crescimento da pele humana fora do corpo há muitos anos, a pele cultivada em laboratório é menos organizada e carece de estruturas, como os folículos pilosos, as glândulas sudoríparas e os nervos, encontradas na pele real.

Entretanto, o uso das células-tronco e de técnicas atuais de bioengenharia tem permitido aos cientistas cada vez mais se aproximar do desenvolvimento de órgãos em laboratório. Utilizando a técnica de formação de organoides com o emprego de células-tronco, já tratada aqui no CDQ (Organoides, muito mais que apenas órgãos em miniatura!), a equipe de cientistas liderada pelo Dr. Karl Koehler, do Hospital Infantil de Boston, nos EUA, foi capaz de criar uma pele complexa com pelos no laboratório. As descobertas desta pesquisa foram publicadas na renomada Continuar lendo

Fechando a ferida que nunca cura: O papel de Myc na formação de tumores

Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal

Fonte: BioRender

Avanços obtidos nas últimas décadas na compreensão sobre como tumores crescem e causam doenças já apresentam resultados visíveis no desenvolvimento de tratamentos novos e mais eficientes para pacientes com câncer. Apesar disso, o nosso conhecimento sobre como tumores surgem ainda é insuficiente, o que nos impede não apenas de prevenir, mas também de reverter em muitos casos a formação de cânceres malignos. Uma noção que permeia o pensamento de muitos oncologistas e oncobiologistas é a de que tumores se formam em decorrência de uma “irritação crônica”. O primeiro a propor esta hipótese foi o patologista alemão Rudolf Virchow (também conhecido como o pai da patologia celular) no ano de 1858, ao dizer que a formação de tumores se daria a partir de lesões térmicas, químicas e/ou mecânicas crônicas. Só depois de 128 anos, com base nesta primeira observação, é que o patologista americano Harold Dvorak propôs a ideia de que tumores são como feridas que nunca curam. Mais especificamente, diversos eventos que observamos na resolução de uma ferida, como o aumento de fluxo sanguíneo e de infiltração de células do sistema imune (que costuma resultar na vermelhidão que vemos em feridas recentes) estão também presentes em lesões tumorais. Enquanto em uma cicatrização estas mudanças desaparecem, em tumores estes processos persistem por anos e desempenham um papel essencial na biologia destas células malignas.

Um dos exemplos mais marcados do envolvimento de células não tumorais em cânceres é o de tumores de pâncreas, onde até 90% das células presentes em uma massa tumoral são não cancerígenas, incluindo vasos sanguíneos e células do sistema imune. Tendo em vista as diversas semelhanças entre tecidos lesionados em recuperação e massas tumorais, surge a pergunta, tida por alguns como o santo graal da oncobiologia: Por que e como tumores e lesões teciduais são tão parecidas? Tomando como base estudos iniciados por outros grupos na primeira metade da década de 80, em um trabalho liderado pelo Continuar lendo