Cogumelos “mágicos” podem salvar vidas

Por Kelmer Martins da Cunha & Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos,  Depto. BOT-CCB/UFSC

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Você leitor do CDQ já deve estar pensando: “já li esse título por aqui no CDQ, será?”. Sim, de forma muito similar, em um outro texto de 2017, falamos sobre como substâncias tóxicas de fungos venenosos poderiam ser úteis para transportar medicamentos no corpo humano e ajudar no combate a doenças, como o câncer. No texto de hoje, queremos compartilhar com vocês mais uma evidência científica do benefício dos fungos. Em um estudo recente, ficou comprovado o potencial que cogumelos “mágicos” têm para dar maior qualidade de vida às pessoas que sofrem com a depressão, inclusive salvando vidas.

A depressão é uma doença muito séria, por vezes negligenciada ou até mesmo não diagnosticada, mas que afeta a vida de milhões de pessoas diariamente. No mundo, são mais de 300 milhões de pessoas impactadas e, no Brasil, cerca de 16 milhões têm suas carreiras, interações sociais e a própria felicidade comprometidas pela doença. Existe uma relação clara entre depressão e alteração na estrutura cerebral, ou seja, pessoas com esta doença apresentam uma comunicação reduzida entre os neurônios, a chamada atrofia sináptica. Por ser uma doença com causas complexas, resultante da junção de fatores genéticos, ambientais e psicológicos, ainda não existe cura. Existem tratamentos que podem amenizar os efeitos da doença.

Nos últimos anos, foram descobertas substâncias promissoras. Uma delas vem dos fungos alucinógenos. A psilocibina é um alcaloide encontrado em cogumelos dos gêneros Psilocybe, Panaeolus, Conocybe e Inocybe, que crescem em fezes de animais (fungos coprófilos) e são popularmente chamados de “mágicos” ou “alucinógenos”. Sabemos que os efeitos alucinógenos são “apreciados” por culturas milenares de diferentes povos e, muito provavelmente, vem daí a hipótese de que seriam potenciais para o tratamento da depressão. Hoje, embora os cogumelos mágicos sejam utilizados mais como algo recreativo, cabe à ciência, totalmente desprendida de estigmas e preconceitos, encontrar a salvação para vidas. E é isso que pesquisadores vêm se propondo a fazer mais recentemente para combater a depressão.

Publicado recentemente na Neuron, uma das revistas mais conceituadas na área, o trabalho de Shao e colaboradores traz resultados promissores. Também chama a atenção como eles obtiveram os resultados. Eles utilizaram uma técnica de microscopia in vivo, chamada de microscopia de dois fótons (em tradução livre), para avaliar o efeito em tempo real da psilocibina no cérebro de camundongos.

Figura retirada de Shao et al. (2021). Esquema de funcionamento da microscopia de dois fótons e a região do cérebro dos animais estudados no trabalho.

Os camundongos foram inicialmente submetidos a um processo de estresse crônico que gera a atrofia sináptica e diminui a comunicação entre os neurônios, simulando assim a depressão. Depois disso, foram tratados com uma dose única de 1 mg/kg de psilocibina e então submetidos ao processo de microscopia de dois fótons. Essas observações foram realizadas durante um período de 34 dias e, nelas, os cientistas descobriram que a psilocibina induziu plasticidade neural na região do córtex cerebral dos camundongos. Isso significa que a substância foi capaz de melhorar a comunicação dos neurônios, através do aumento em tamanho de espículas nos dendritos, que são as partes ramificadas dos neurônios responsáveis pelas correntes sinápticas. Incrível né!

Imagens retiradas de Shao et al. (2021). Micrografias obtidas a partir de microscopia de dois fótons observando a formação de espículas dendríticas, que darão origem a novas sinapses.

Obviamente que são resultados promissores, mas ainda é necessário um corpo de estudos bem embasado, com resultados consensuais, para que o tratamento se torne realidade. Embora os cogumelos sejam “mágicos”, o tratamento não deve ser considerado um passe de mágica. Como os próprios autores concluem, não é claro se esses resultados são extrapoláveis para seres humanos. Assim, embora seja evidente o potencial, ensaios clínicos são necessários para entender melhor o funcionamento e papel da psilocibina no tratamento da depressão.

Fontes:

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