O " Cientistas descobriram que…" descreverá alguns dos principais achados científicos atuais numa linguagem simples. Nossos textos são escritos e revisados por pesquisadores que atuam em diversas áreas do conhecimento.
Por Virginia Meneghini Lazzari – Dpto. de Biologia Celular Embriologia e Genética, UFSC
A tecnologia de edição do DNA vem sendo utilizada para desenvolver cura e tratamentos para doenças, criar testes de diagnósticos, produzir variedades agrícolas resistentes às mudanças climáticas, entre outros. Os estudos de edição gênica são conduzidos principalmente em linhagens celulares ou em modelos animais. No entanto, este cenário vem mudando desde 2015. Cientistas descobriram que é possível editar o DNA de embriões humanos, causando debates na comunidade científica sobre os limites éticos implicados nesse novo passo da ciência. As discussões sobre o assunto tentam responder perguntas como: A técnica de edição gênica é segura para ser aplicada em embriões humanos? Quais seriam as consequências da criação de indivíduos “transgênicos” para as futuras gerações? Será que existe a real necessidade de editar o DNA de embriões ou existem alternativas mais seguras? Caso a edição gênica de embriões passe a ser utilizada, quais seriam os responsáveis pela supervisão ética da aplicação da técnica?
A edição do DNA utiliza a técnica CRISPR-Cas9 (que rendeu o prêmio Nobel de Química de 2020 às duas cientistas desenvolvedoras da técnica, Emmanuelle Charpentier à esquerda, e Jenifer A. Doudna, à direita. Fonte da imagem: CNN Brasil), que permite que os cientistas façam alterações genéticas com relativa facilidade.
Por Dr. Bruno Costa da Silva do Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa,
Neste texto descrevemos um recém descoberto mecanismo pelo qual células tumorais conseguem se proteger do ataque de células imunes.
Dentre outros fatores, o envelhecimento da população tem levado o câncer a ser uma das principais causas de morte atuais. A modernização de métodos diagnósticos e cirúrgicos, juntamente com o desenvolvimento de novas drogas e protocolos terapêuticos, têm tido um importante impacto no aumento da sobrevida de pacientes oncológicos. Entre as novas armas para o tratamento de pacientes com câncer estão drogas que têm como efeito desejado a reativação da resposta do sistema imune contra células tumorais. Apesar de apresentarem resultados encorajadores, no máximo 20-30% dos pacientes oncológicos podem se beneficiar destes novos tratamentos, também conhecidos como imunoterapias. Em termos gerais, a resistência de tumores a imunoterapias envolve a remodelação insuficiente do sistema imunológico ou mesmo o impedimento de modificações celulares e moleculares que resultariam na eliminação de células tumorais.
Buscando entender quais estratégias biológicas os tumores utilizam para se proteger da ação de imunoterapias, em um estudo liderado pelo Dr. Yaron Carmi da Universidade de Tel Aviv em Israel, publicado na revista eLife em setembro de 2022, cientistas descobriram que células tumorais podem sobreviver a ataques de células imunes ao se esconderem dentro de outras células tumorais.
por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
A resistência a agentes antimicrobianos (antimicrobial resistance – AMR) continua na sombra, apesar de ser a principal causa de morte no mundo e com um peso superior nos países de poucos recursos económicos. A piorar este cenário está o facto de que a medicina moderna, incluindo cirurgias, quimioterapia, transplantes de órgãos e outros procedimentos invasivos requerem antibióticos eficazes. As infeções incuráveis reduzem o valor destes procedimentos e, assim, reduzem o seu valor para os pacientes.
No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.
No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.
Entre as várias conclusões a que se tem chegado, há um denominador comum: os doentes com estadias hospitalares mais longas são mais propensos a ter agentes patogénicos AMR do que aqueles com estadias mais curtas. Contudo, ficam pendentes as questões: será a AMR que causa estas estadias hospitalares mais longas ou é porque os doentes que ficam mais tempo internados contraem infeções bacterianas AMR? Como se pode distinguir entre doentes que morreram com agentes patogénicos resistentes (sem que seja a causa direta), daqueles que morreram de agentes patogénicos resistentes (como causa direta)?
Por Fabienne Antunes Ferreira – Dpto. de Microbiologia, UFSC
Os microrganismos foram os primeiros seres vivos a habitar o planeta Terra, há cerca de 4 bilhões de anos. Durante todo este tempo, estes seres microscópicos, que não conseguimos visualizar “a olho nu”, evoluíram para se adaptar em ambientes aparentemente inóspitos. Já foram encontrados microrganismos que podem sobreviver e crescer em temperaturas extremamente frias de -25°C (a bactéria Deinococcus geothermalis) ou extremamente quentes de 130°C (a arqueia Geogemma barossii), bem como em altíssimos níveis de radiação ou na presença de moléculas “tóxicas” para a maior parte dos demais seres vivos.
A capacidade dos microrganismos de tolerar condições tão adversas na Terra tem levado os cientistas a considerarem que microrganismos podem também viver no espaço, em condições extraterrestres.
E como os microrganismos da Terra podem chegar até o espaço? Bem, para começar, astronautas em missões fora do nosso planeta carregam consigo sua própria microbiota (conjunto de microrganismos que habitam nosso corpo, e são fundamentais para a vida humana) na pele, intestino ou boca. Adicionalmente, plantas, animais, alimentos e quaisquer objetos levados a bordo de uma espaçonave também podem abrigar esses seres, uma vez que microrganismos habitam virtualmente todos os locais do planeta. Assim, todas as expedições espaciais podem “contaminar” de forma não intencional locais extraterrestres. É claro que grande parte dos microrganismos da Terra podem não ser capazes de sobreviver em microgravidade, radiação ou outras condições encontradas fora daqui, mas os riscos devem ser avaliados. Planetas ou luas que tenham condições mais similares às da Terra (como Marte, por exemplo), por oferecerem atmosferas mais próximas do habitável pelo ser humano, estariam sob maior risco destas contaminações. Adicionalmente, não fazemos ideia se existe algum tipo de vida microscópica no espaço, e se esta também poderia, como um alienígena, acessar a Terra.
Um recente editorial publicado este ano na revista Nature Microbiology explora um pouco sobre essas questões, associadas a uma área conhecida na ciência como “astromicrobiologia” (estudo dos microrganismos no espaço). No editorial são citados alguns estudos publicados na área, com diversas descobertas científicas interessantes. Por exemplo, cientistas descobriram que bactérias podem crescer em carboidratos específicos que existem em meteoritos, e que microrganismos isolados da superfície da Estação Espacial Internacional (EEI) (laboratório espacial que se encontra na órbita da Terra) são bem parecidos com os microrganismos encontrados no nosso planeta (Figura 1). Nestes ambientes, foram isolados microrganismos bem adaptados a condições extremas, como alta radiação.
Além disso, foi possível detectar também microrganismos potencialmente patogênicos, como espécies de Salmonella. De fato, já foram reportadas infecções por bactérias e vírus em astronautas durante e após missões espaciais, como na conhecida missão Apollo 7 em 1968.
A grande preocupação dos cientistas é de que haja uma “contaminação retrógada”, ou seja, que estas formas microscópicas de vida contaminem o espaço ou planetas extraterrestres, consigam sobreviver neles, evoluam para formas extremamente resistentes (bem adaptadas às condições de vida mais extremas) e sejam trazidas de volta para contaminar a Terra. Abordagens para minimizar este risco em missões espaciais poderia incluir esterilização de materiais, quarentena dos astronautas e rigorosos exames de saúde para avaliar qualquer tipo de ameaça. No entanto, por serem seres microscópicos, é praticamente impossível evitar totalmente a transferência de microrganismos da Terra para o espaço e vice-versa.
Assim, tendo em vista o enorme potencial de microrganismos terrestres para evoluir e se adaptar à vida em vários ambientes, pesquisas sobre microrganismos que vivem em ambientes extremos e inóspitos têm se tornado cada vez mais necessárias, para entender os mecanismos de sobrevivência em ambientes extraterrestres e compreender os reais riscos microbiológicos das missões espaciais.
Como diz o editorial, é sempre importante “esperar o inesperado” quando o assunto é astromicrobiologia.
Por Virginia Meneghini Lazzari – Dpto. de Biologia Celular Embriologia e Genética, UFSC
A reprodução assistida é uma área da medicina em crescimento desde que o primeiro “bebê de proveta” nasceu, em 1978. Atualmente, cerca de 8 milhões de crianças já foram geradas utilizando técnicas de fertilização in vitro. Em uma sociedade que cada vez mais adia os planos de ter filhos, a reprodução assistida surge como aliada para realizar o sonho da maternidade/paternidade.
No entanto, não se sabe o impacto das técnicas de fertilização in vitro na saúde das pessoas geradas a partir delas. Estudos têm sugerido uma influência no neurodesenvolvimento, função cardiovascular, metabolismo, crescimento, entre outros. Porém, não está claro se as diferenças observadas nas crianças concebidas por reprodução assistida são causadas pelo próprio procedimento ou por fatores associados à subfertilidade dos pais.
As técnicas de fertilização in vitro envolvem a manipulação e o cultivo de embriões durante um período que coincide com extensa remodelação epigenética. É, portanto, plausível que os procedimentos alterem a epigenética dos embriões e, por consequência, dos bebês gerados a partir deles. O termo epigenética se refere aos mecanismos celulares relacionados ao acesso da maquinaria celular às regiões do DNA. Através da epigenética, ocorre a regulação sobre quais genes cada célula deve “ler”. Fazendo uma analogia, é como se o DNA de uma pessoa fosse um “livro de receitas” sobre como o corpo deve ser construído e funcionar, e a epigenética é a marcação de quais páginas do livro devem ser lidas por cada célula para que o organismo funcione de forma adequada. Sem a epigenética, todas as receitas do livro poderiam ser lidas por todas as células. Assim, uma célula presente na retina do olho poderia executar a receita de como fazer fio de cabelo, por exemplo, provocando uma completa desordem!
Uma das formas de marcação epigenética, que guia as células sobre locais do DNA que não devem ser acessados, é a metilação do DNA. Nessa marcação, ocorre a ligação de um grupo metil (um carbono e três hidrogênios – CH3) a locais específicos do DNA, chamados de ilhas CpG e, em geral, isso demonstra para a célula que aquele local não deve ser “lido”. Um estudo recente, publicado na Nature Communications*, testou a metilação de DNA do sangue do cordão umbilical de 962 bebês gerados por reprodução assistida e comparou com a metilação de DNA de 983 recém-nascidos concebidos naturalmente. O estudo foi cuidadosamente desenhado para controlar potenciais fatores de confusão associados tanto com o uso de reprodução assistida quanto com metilação do DNA em recém-nascidos, como idade materna, causas de infertilidade, tabagismo e IMC (Índice de Massa Corporal – cálculo para avaliar o grau de sobrepeso e obesidade) materno.
Os cientistas descobriram que recém-nascidos concebidos por reprodução assistida apresentam metilação do DNA diminuída no seu genoma. Foram encontradas diferenças de padrão de metilação em 607 ilhas CpG entre os grupos. 176 destes locais de marcação epigenética estavam presentes em genes conhecidos, incluindo genes relacionados ao crescimento e desenvolvimento neural.
Alguns destes genes apresentaram muitas mudanças no padrão de metilação e chamaram a atenção dos cientistas.
Os genes com mais diferenças entre os grupos foram BRCA1 e HLA-DQB2. BRCA1 é um gene que desempenha um papel fundamental na divisão celular e expressão gênica, sendo um gene de suscetibilidade para câncer de mama de início precoce e apresentou 10 locais com alteração de metilação entre os grupos. Já o HLA-DQB2 é um gene que faz parte do sistema HLA, um grupo de proteínas envolvido tanto na resposta imune normal quanto na patogênese de doenças e apresentou 11 locais com alteração de metilação.
Chocante, não? Mas calma, apesar de tantas alterações, não é possível saber se as diferenças epigenéticas observadas persistem na idade adulta e contribuem para mudanças na saúde entre crianças concebidas por reprodução assistida e crianças concebidas naturalmente. Ainda há um longo caminho para entender as consequências destes achados, atualmente tudo indica que a reprodução assistida é segura e gera pessoas saudáveis e ainda não é possível saber o que estes achados significam. O papel dos cientistas é sempre observar, questionar e investigar as possibilidades biológicas relacionadas aos procedimentos realizados. É neste sentido que as pesquisas devem continuar ocorrendo, para garantir a segurança da população.
Por Edroaldo Lummertz da Rocha. Dpto. de Microbiologia, UFSC
O câncer permanece uma das maiores ameaças contra a saúde humana. Apesar do progresso obtido no gerenciamento clínico da doença e diversas descobertas científicas sobre biologia do câncer, lacunas de conhecimento importantes ainda precisam ser elucidadas, especialmente sobre o processo de metástase, definido como a disseminação de células tumorais do câncer primário para outros órgãos. Em estudo recente publicado na revista científica Nature, Diamantopoulou et al. apresentam resultados demonstrando que a agressividade da disseminação de células tumorais para outros órgãos pode mudar enquanto dormimos.
A metástase está associada a mais de 90% das mortes relacionadas ao câncer. Células tumorais podem sair do câncer primário e entrar na circulação sanguínea para formar tumores em outros órgãos. Estas células tumorais são denominadas células tumorais circulantes (CTC). Em princípio, acredita-se que as CTCs são responsáveis pela metástase, viajando sistema circulatório como células individuais, ou como agregados de CTCs e células imunológicas, o que poderia aumentar a sua agressividade e capacidade metastática.
Por Paulo César Simões-Lopes – Dpto de Ecologia e Zoologia – UFSC
Estamos no México, num mar de azul sem igual. A beira do deserto de Sonora, no grande Golfo da Baja Califórnia, se desenrola um thriller sufocante, um filme de suspense, um drama policial. A cada ano são menores as chances de salvá-la. Tudo o que fazemos parece dar em nada. E, por trás deste drama, existe corrupção, dinheiro dentro de envelopes, comércio ilegal, traficantes, assassinatos, ganância.
Neste cenário de suspense, há uma iguaria, para lá de estranha, e que ganha notoriedade a cada ano que passa: a bexiga natatória de um peixe scienídeo, conhecido localmente como totoaba (Totoaba macdonaldi).
Trata-se apenas de um órgão de flutuação dos peixes ósseos e que permite que eles regulem a profundidade desejada, mas os chineses a consideram uma iguaria e com ela preparam uma sopa especial. Dizem que a tal sopa tem valor medicinal protegendo contra os males do fígado e da artrite, o que se mostrou falso1.