Testes genéticos podem levar à indicação de cirurgias mamárias desnecessárias

Por Bruno Costa Silva – Champalimaud Centre for the Unknown – Lisboa, Portugal 

A identificação de modificações genéticas associadas a cânceres tem, há mais de 100 anos, despertado esperança na possibilidade de identificar pacientes mais suscetíveis a desenvolver esta doença e tratá-los antes da progressão maligna dos tumores.  Essa história iniciou com as ideias do citologista Theodor Boveri, que previu a relação entre a instabilidade da composição do DNA de células com o aparecimento de tumores em 1911. Esse conceito foi confirmado nos anos 1960 pelos cientistas Peter Nowell e David Hungerford que associaram a anomalia genética, conhecida como “cromossomo Filadélfia”, com o desenvolvimento de leucemias e, posteriormente, aprofundado por Robert Weinberg, Michael Bishop e seus colegas nos anos 1970, que descobriram as primeiras mutações genéticas (conhecidas como oncogenes) ligadas à ocorrência de tumores.

Em meados dos anos 90, em um trabalho liderado pela cientista Mary-Claire King, envolvendo 329 participantes, descobriu-se modificações nos genes BRCA1 e BRCA2, associadas ao maior risco (~13% em mulheres sem a mutação vs. ~45-80% naquelas com a mutação) de desenvolvimento hereditário de tumores de mama.

Apesar da maioria dos casos de tumores de mama não possuir associação com mutações hereditárias, tem sido cada vez mais comum a tomada de decisões por procedimentos radicais, como a remoção profilática das mamas, em casos onde modificações em BRCA1 ou BRCA2 são identificadas.

O exemplo recente mais emblemático foi o da atriz Angelina Jolie que, aos 37 anos, passou pela remoção profilática dupla das mamas após ser diagnosticada com uma modificação no gene BRCA1. Desde então o caso da atriz americana tem inspirado outras mulheres a buscarem não somente a eventual presença das tais mutações, mas também procedimentos cirúrgicos radicais quando os tais genes mutados são encontrados. 

A procura por esses oncogenes, inicialmente feita apenas em pacientes com sintomas indicativos de tumor de mama ou com histórico familiar da doença, passou a ser mais difundida com o aparecimento de kits para testes de DNA de uso doméstico. Como consequência, juntamente com a detecção de mais pacientes com a mutação, veio também a maior busca por procedimentos cirúrgicos radicais como o acima mencionado.

 Em um trabalho liderado pelo Dr. Leigh Jackson, da Universidade de Exeter no Reino Unido de setembro de 2023, publicado na revista eClinical Medicine, envolvendo mais de 454.000 participantes entre 40 e 69 anos de idade, cientistas descobriram que o verdadeiro risco de desenvolvimento de câncer de mama em mulheres com mutações em BRCA1 e BRCA2 é, respectivamente, de 23% e 18% para mulheres sem histórico familiar da doença e de 45% e 24% para mulheres com parentes próximas que desenvolveram a doença.

Como um risco de 80% é muito diferente de outro de 20%, com este trabalho os cientistas buscaram oferecer uma estimativa mais realista sobre as chances de desenvolvimento de tumor de mama em pacientes com mutações em BRCA1 e BRCA2.

Com isso, a ideia é influenciar pelo menos parte das pacientes sobre a decisão de optar ou não por um procedimento cirúrgico preventivo. Mesmo que com o risco de 20% pacientes ainda optem pela cirurgia, a ideia é que os casos de cirurgias desnecessárias diminuam após a publicação deste estudo.

Como um risco de 80% é muito diferente de outro de 20%, com este trabalho os cientistas buscaram oferecer uma estimativa mais realista sobre as chances de desenvolvimento de tumor de mama em pacientes com mutações em BRCA1 e BRCA2. Com isso, a ideia é influenciar pelo menos parte das pacientes sobre a decisão de optar ou não por um procedimento cirúrgico preventivo. Mesmo que com o risco de 20% pacientes ainda optem pela cirurgia, a ideia é que os casos de cirurgias desnecessárias diminuam após a publicação deste estudo.

No trabalho, os cientistas observaram o mesmo padrão de “diagnóstico excessivo” em pacientes com síndrome de Lynch, que é associada com o desenvolvimento de tumores de cólon. Isso demonstrou que a popularização dos rastreios genéticos de uso doméstico em indivíduos sem indicação clínica pode levar a excessivo alarde e gastos com procedimentos clínicos desnecessários (como imagens radiográficas, colonoscopias e biópsias). Como conclusão os cientistas do trabalho reforçam que quaisquer resultados genéticos obtidos fora do contexto clínico devem ser devidamente discutidos e interpretados pelo médico da pessoa em questão.

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