O homem pode ser o responsável por espalhar doença que extingue espécies de sapos em todo o mundo

Por Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, Dpto de BOT-CCB, PPGFAP – UFSC

Figura 1 – Capa da revista Science estampando o trabalho sobre a quitridiomicose (O’Hanlon et al.)

A descoberta ganhou a capa do último volume (11 de maio de 2018) da Science (Figura 1), uma das revistas científicas mais conceituadas na atualidade. Para entender o impacto dessa descoberta, precisamos primeiro entender a doença e seu agente causal.

Quitridiomicose é uma doença infecciosa, que mata sapos, rãs e salamandras, e que vem dizimando várias populações e espécies em todo o mundo (Figura 2). A doença recebe esse nome porque é causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis Longcore, Pessier & D.K. Nichols, que pertence ao grupo de fungos Chitridiomycota. Essa “micose dos anfíbios” se dá pelo contato com os esporos do fungo na água. Os esporos infectam e o fungo se desenvolve na pele do anfíbio, causando úlceras e uma série de outros sintomas, que podem mudar o comportamento do animal, mas a principal consequência é a morte. Essa doença fatal foi observada ainda na década de 70 por Herpetólogos – especialistas no estudo de anfíbios e répteis – mas se tornou reconhecida como um fenômeno mundial somente nos anos 90. Vários casos da doença já foram registrados na Austrália, Ásia, África, Europa e América e por isso é tratada como uma panzoomia.

Figura 2 – Anfíbio infectado pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis (Fonte, clique aqui).

Apesar dos grandes investimentos na pesquisa para entender e tentar controlar a doença, até hoje não se conhecia exatamente sua origem e tampouco a história e quanto tempo levou para se espalhar pelo planeta.

Com esse propósito, um grupo internacional de cientistas realizou o estudo que foi publicado na Science (ver aqui). De modo grandioso, os cientistas trabalharam com centenas de amostras de fungos de todas as partes do mundo. Através de análises modernas de sequenciamento dos genomas – totalidade do material genético de um organismo – e comparação dessas amostras, conseguiram traçar a origem de B. dendrobatidis. Uma das linhagens da Península Coreana, chamada de BdASIA-1, demonstrou ter as características genéticas de uma população ancestral, que teoricamente iniciou esse fenômeno panzoótico. Os cientistas descobriram que o Leste da Ásia é o hotspot da diversidade de B. dendrobatidis, ou seja, seria o “ponto quente” ou local geográfico com maior diversidade genética existente da espécie. Também, com os dados das mutações nos genomas, os cientistas conseguiram estimar que o fungo, como patógeno, surgiu no início do século 20, coincidindo com a expansão global do comércio de anfíbios no mundo. Os resultados indicam inclusive que a transmissão intercontinental ainda está em andamento.

A rota da dispersão da doença ainda não é totalmente conhecida, mas das 1300 espécies de anfíbios analisadas até agora, o fungo já infectou aproximadamente 700. Atualmente, são conhecidas mais de 7800 espécies de anfíbios, ou seja, esse número de espécies vulneráveis provavelmente aumentará.

Por fim, B. dendrobatidis é um fungo temido, mas embora anfíbios infectados possam transpor fronteiras ou algumas dispersões antropogênicas (advindas da ação do homem) possam não ser intencionais, o comércio internacional de anfíbios teve responsabilidade diretamente sobre a disseminação do fungo patógeno em todo o mundo. Sobretudo, esse estudo mostra que é fundamental fortalecer a biossegurança para a sobrevivência das espécies de anfíbios na natureza e, como modelo, demonstra que o apoio financeiro para pesquisa sobre a biologia das espécies pode subsidiar estratégias para combater a biopirataria. Afinal, todos temos responsabilidades na conservação das espécies, e evitar a exploração, manipulação, exportação e/ou comercialização internacional de espécies de animais, vegetais e fungos também é responsabilidade de nossas políticas públicas para garantir a norma da Convenção sobre a Diversidade Biológica.

Para acessar o artigo original, clique aqui.

4 comentários sobre “O homem pode ser o responsável por espalhar doença que extingue espécies de sapos em todo o mundo

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