Descoberta uma nova estratégia utilizada por tumores para escapar do ataque do sistema imune

Por Dr. Bruno Costa da Silva do Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa,

Neste texto descrevemos um recém descoberto mecanismo pelo qual células tumorais conseguem se proteger do ataque de células imunes.

Dentre outros fatores, o envelhecimento da população tem levado o câncer a ser uma das principais causas de morte atuais. A modernização de métodos diagnósticos e cirúrgicos, juntamente com o desenvolvimento de novas drogas e protocolos terapêuticos, têm tido um importante impacto no aumento da sobrevida de pacientes oncológicos. Entre as novas armas para o tratamento de pacientes com câncer estão drogas que têm como efeito desejado a reativação da resposta do sistema imune contra células tumorais. Apesar de apresentarem resultados encorajadores, no máximo 20-30% dos pacientes oncológicos podem se beneficiar destes novos tratamentos, também conhecidos como imunoterapias. Em termos gerais, a resistência de tumores a imunoterapias envolve a remodelação insuficiente do sistema imunológico ou mesmo o impedimento de modificações celulares e moleculares que resultariam na eliminação de células tumorais.

Buscando entender quais estratégias biológicas os tumores utilizam para se proteger da ação de imunoterapias, em um estudo liderado pelo Dr. Yaron Carmi da Universidade de Tel Aviv em Israel, publicado na revista eLife em setembro de 2022, cientistas descobriram que células tumorais podem sobreviver a ataques de células imunes ao se esconderem dentro de outras células tumorais.

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Células tumorais se espalham de forma mais agressiva durante o sono

Por Edroaldo Lummertz da Rocha. Dpto. de Microbiologia, UFSC

O câncer permanece uma das maiores ameaças contra a saúde humana. Apesar do progresso obtido no gerenciamento clínico da doença e diversas descobertas científicas sobre biologia do câncer, lacunas de conhecimento importantes ainda precisam ser elucidadas, especialmente sobre o processo de metástase, definido como a disseminação de células tumorais do câncer primário para outros órgãos. Em estudo recente publicado na revista científica Nature, Diamantopoulou et al. apresentam resultados demonstrando que a agressividade da disseminação de células tumorais para outros órgãos pode mudar enquanto dormimos

A metástase está associada a mais de 90% das mortes relacionadas ao câncer. Células tumorais podem sair do câncer primário e entrar na circulação sanguínea para formar tumores em outros órgãos. Estas células tumorais são denominadas células tumorais circulantes (CTC). Em princípio, acredita-se que as CTCs são responsáveis pela metástase, viajando sistema circulatório como células individuais, ou como agregados de CTCs e células imunológicas, o que poderia aumentar a sua agressividade e capacidade metastática.

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Acharam mesmo a cura para o câncer?

Por Dr. Bruno Costa da Silva do Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa, Portugal

Nas primeiras semanas de junho de 2022, uma notícia sobre uma suposta “cura definitiva para o câncer” despertou entusiasmados debates tanto do público leigo quanto de especialistas na área de oncologia/oncobiologia. Resumidamente, em um artigo publicado em junho de 2022 na renomada revista médica New England Journal of Medicine e liderado pelo médico Luis Diaz Jr., do centro de pesquisa e tratamento ao câncer Memorial Sloan Kettering Cancer Center (Nova Iorque – EUA) cientistas descobriram que uma droga pode, em princípio, erradicar completamente tumores em 100% dos pacientes tratados. De fato, nunca se tinha ouvido tal notícia em toda a história da medicina. Seria esta droga uma nova penicilina que revolucionou o tratamento de doenças infecciosas, ou de uma nova estatina que revolucionou a prevenção contra doenças vasculares? Seríamos nós, os felizardos de estarmos vivos na época em que a medicina erradicou “o câncer”? Seria este que vos escreve o mais novo cientista desempregado? Certamente, uma descoberta dessa envergadura justificaria uma leitura mais atenta além das manchetes dos jornalões e portais de notícias online.

Pacientes com câncer retal avançado no local, são geralmente tratados com quimioterapia neoadjuvante e radiação.
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Italianas que escaparam do Holocausto, fatores de crescimento, Brasil e um prêmio Nobel. Como tudo isso se entrelaça?

Por Giordano W. Calloni, Dpto de Biologia Celular, Embriologia e Genética da UFSC 

Em meu último post para esse blog, em 30 de novembro de 2021 (clique aqui para acessar), apresentei um pouco para vocês de um dos estudos de nosso colega Bruno Costa da Silva. Em resumo, Bruno mostrou que tumores primários do pâncreas são capazes de preparar o fígado para metástasesE fazem isso através de exossomos. Relembrando: exossomos são diminutas esferas de lipídeos e proteínas que carregam em seu interior desde proteínas até pedacinhos de DNA e RNA, por exemplo.

Hoje falarei de um outro trabalho, publicado em 2021 na revista Science, que vai na mesma linha do que foi demonstrado por Bruno em 2015. Cientistas descobriram que um fator de crescimento (produzido por vasos sanguíneos) estimula a metástase de células tumorais.

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O câncer de boca e a COVID-19

Por Filipe Modolo – Dpto. de Patologia, UFSC

Adaptado de fonte

Felizmente a ciência tem sido incansável na busca da redução dos efeitos da pandemia da COVID-19. Alguns dos muitos estudos científicos que trataram de aspectos relacionados à pandemia da COVID-19 foram analisados por mim nesse blog científico: “O impacto da COVID-19 na saúde bucal,O impacto emocional da COVID-19, “Os ensinamentos da pandemia” e Glândulas salivares são alvos para o coronavírus”. No entanto, quanto mais a ciência se aprofunda no estudo dessa doença, mais complicada se mostra a rede de conexões biológicas existente na interação entre o coronavírus (SARS-CoV-2) e o seu hospedeiro humano. 

Cientistas descobriram que pode haver uma relação muito íntima entre a COVID-19 e o câncer de boca. Já foi massivamente divulgado que a boca é uma porta de entrada importante para a infecção pelo SARS-CoV-2 e que a perda do paladar (chamada tecnicamente de disgeusia) é um dos primeiros sintomas da COVID-19. A disgeusia, quando reconhecida, pode ser o primeiro passo no processo de diagnóstico precoce dessa grave doença. Ambos os eventos (a infecção e a perda do paladar) são atribuídos, principalmente, à ligação entre o SARS-CoV-2 e o receptor ACE2 presente nas células epiteliais da boca, principalmente, na superfície da língua.

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Da tragédia à oportunidade: a nova geração de vacinas antitumorais

Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal

No começo de 2020, tivemos o início da trágica pandemia global do COVID-19, que mesmo quase dois anos depois ainda assombra as nossas vidas. Por se tratar de uma doença nova, contra a qual ninguém possuía imunidade pré-existente, tornou-se urgente o desenvolvimento de vacinas que prevenissem casos graves e se possível a propagação da infecção pelo novo coronavírus. Felizmente, apesar de estarmos ainda longe de obtermos altos índices de vacinação globais (especialmente nos países subdesenvolvidos), o que se viu foram múltiplas parcerias científicas-biotecnológicas que desenvolveram múltiplas vacinas através de diferentes estratégias. Neste cenário catastrófico, a gigante farmacêutica Pfizer, em parceria com a startup alemã BioNTech e sob a liderança da cientista Kathrin Jansen, viu o COVID-19 como uma oportunidade perfeita para testar uma tecnologia vacinal revolucionária. Ao invés de induzir imunidade a partir da injeção de partículas virais inativadas, a estratégia da Pfizer-BioNTech envolveu o uso de pequenas bolhas de gordura (chamadas de lipossomas) contendo fragmentos de material genético (RNA mensageiro – mRNA) do novo coronavírus. A ideia é que, uma vez injetadas, esses lipossomas carregam o material genético viral para células do indivíduo vacinado, sendo convertidos em proteínas virais. Essas proteínas virais, então, desencadeiam a montagem de uma resposta imunológica contra o vírus, tornando os vacinados imunes à infecção. O sucesso dessa nova estratégia tem levado cientistas a questionar se essa tecnologia pode ser útil no tratamento de outras doenças, incluindo outros vírus e até mesmo o câncer.

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Tumores hibernam para sobreviver à quimioterapia

Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal

Apesar de termos à disposição uma razoável gama de drogas com efeito antitumoral, de maneira geral, um determinado tumor será sensível apenas a uma fração destas drogas. Além disso, mesmo quando um tumor é sensível a uma droga específica, comumente observa-se o desenvolvimento de resistência a curto ou médio prazo. Uma das explicações mais aceitas para este processo é a de que, mesmo quando a maioria das células em uma massa tumoral é sensível à uma determinada droga, comumente existirão populações de células tumorais resistentes à uma terapia em questão. Assim, ao final do tratamento com uma determinada droga, haveria espaço para uma população inicialmente minoritária se expandir e formar novas massas tumorais. Levando em conta esta teoria, em casos de retorno da massa tumoral, a estratégia mais adotada é a de buscar uma droga alternativa que possa ser eficiente contra estas células tumorais emergentes. Entretanto, não raramente, há casos aonde não é possível obter resposta antitumoral com drogas alternativas, seja por falta de efeito da droga e/ou por excessiva toxicidade da terapia em questão. Infelizmente, estes casos costumam resultar em baixa sobrevida dos pacientes.

Com isso em mente, de forma a melhorar a resposta e a sobrevida de pacientes oncológicos, fica clara a importância de buscarmos compreender com mais detalhes como tumores tornam-se resistentes às drogas. Outra questão crucial, sem uma resposta no campo da oncologia, é sobre como células cancerígenas se mantém inativas (ou dormentes) durante anos após um primeiro tratamento, voltando a formar lesões tumorais as vezes décadas depois do primeiro diagnóstico. 

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