Ciência da vida da gente: como cientistas descobriram que exercícios físicos combatem a obesidade

Por Alessandra Melo de Aguiar – Instituto Carlos Chagas, Fiocruz.

Caros leitores, é com alegria que eu escrevo o meu primeiro texto para o Cientistas descobriram que… No artigo de hoje, vou falar de uma descoberta que pode trazer explicações científicas para o uso da atividade física no combate à obesidade. Cientistas descobriram que os exercícios físicos estimulam a produção de uma substância que reduz o apetite e a obesidade. A pesquisa de Veronica L. Li e colaboradores (2023) foi publicada online no dia 15/06/22 na conceituada revista Nature e, até a presente data, já teve cerca de 69 citações em revistas científicas, o que indica que o artigo serviu de base para novas pesquisas e novos achados científicos!

A prática de exercícios físicos regulares é tão importante para a saúde que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 150 a 300 minutos semanais de atividade aeróbica moderada a vigorosa para os adultos (OPAS, 2020). 

A OMS também indica que a prática de atividade física regular é de extrema importância para prevenir e controlar várias doenças, como doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e câncer, além de reduzir os sintomas de depressão e ansiedade, reduzir o declínio cognitivo, melhorar a memória e exercitar a saúde do cérebro (OPAS, 2020). Contudo, as substâncias produzidas no organismo e seus mecanismos de ação, responsáveis por mediar os benefícios da atividade física, não são totalmente conhecidos. 

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Memórias, não são só memórias!

Por Geison Souza Izídio, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Temos a tendência natural a tratar nossas memórias do passado, como verdades absolutas. Para nós, elas são representações fidedignas de eventos, que se passaram em nossas vidas. Baseados nas nossas memórias podemos inclusive evocar estados de felicidade, ou de sofrimento intenso, no presente.

O treinador de futebol Jorge Sampaoli recentemente iniciou o seu trabalho no comando do Flamengo. Numa entrevista, concedida em junho de 2023, Jorge afirmou, por duas vezes, que se lembrava muito bem da sua primeira vez trabalhando no Maracanã. Teria sido em um jogo onde ele dirigia a “Universidad de Chile” contra o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho, em outubro de 2011. Ótima memória para um evento de mais de 10 anos atrás, não? Porém, na verdade, o jogo nunca foi realizado no Maracanã, mas sim em outro estádio, o Engenhão!

Como poderia Jorge ter confundido dois estádios tão diferentes, que ficam a quilômetros de distância? Seriam nossas memórias representações não precisas de eventos passados? Podemos ter lembranças falsas a respeito da nossa própria vida?

Há muito tempo a comunidade científica sugere que existe uma representação física das memórias no cérebro, algo que é conhecido como engrama. Mas há 10 anos, em julho de 2013, cientistas do MIT, nos EUA, revolucionaram a ciência demonstrando, no cérebro de camundongos, que seria realmente possível implantar memórias falsas.

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A saga dos cientistas que copiam a natureza: imitar para entender! Inclusive o câncer…

Por Dr. Marco Augusto Stimamiglio do Instituto Carlos Chagas – Fiocruz

Caros leitores, este é mais um texto da saga dos cientistas que copiam a natureza. Trata-se de uma série que vem descrevendo estratégias para recriar situações e condições naturais das células e tecidos dentro de um laboratório de pesquisa. Nesta ocasião, porém, trataremos de uma estratégia de imitação multifatorial que permitirá entender mais profundamente o comportamento celular para descobrir melhores formas de tratar um tipo de câncer extremamente agressivo, os glioblastomas.

Os glioblastomas já foram tema de texto recente deste blog, trata-se da forma mais comum e maligna de câncer cerebral. Os tratamentos atualmente existentes são variados, mas a sobrevida média dos pacientes é de apenas 15 meses.

As dificuldades estão sobretudo baseadas nos mecanismos de resistência que os glioblastomas adquirem ao longo do tratamento terapêutico, resistência esta mediada por fatores presentes no microambiente tumoral. O rastreio para descoberta de novas drogas contra os glioblastomas depende do cultivo das células tumorais em laboratório, modelo que reduz a complexidade existente nos tecidos humanos e carece da miríade de fatores microambientais aos quais estão submetidos os glioblastomas.

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Uma nova abordagem ao tratamento de tumores cerebrais elimina temporariamente a barreira hematoencefálica, um caminho promissor!

por Hélia Neves, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Os glioblastomas são os tumores mais comuns e agressivos que se originam no cérebro. O seu tratamento geralmente envolve cirurgia para a remoção da massa tumoral, seguida de radioterapia e quimioterapia. No entanto, quase todos estes tumores reincidem após tratamento… apresentando um mau prognóstico de sobrevivência.

Uma das importantes limitações do tratamento de tumores cerebrais é o difícil acesso dos fármacos ao tumor por via sistémica (através da circulação sanguínea). Isto acontece porque existe uma barreira natural protetora, a barreira hematoencefálica (BHE), que é altamente seletiva à passagem de substâncias do interior dos vasos para o sistema nervoso central.

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Descoberta uma nova estratégia utilizada por tumores para escapar do ataque do sistema imune

Por Dr. Bruno Costa da Silva do Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa,

Neste texto descrevemos um recém descoberto mecanismo pelo qual células tumorais conseguem se proteger do ataque de células imunes.

Dentre outros fatores, o envelhecimento da população tem levado o câncer a ser uma das principais causas de morte atuais. A modernização de métodos diagnósticos e cirúrgicos, juntamente com o desenvolvimento de novas drogas e protocolos terapêuticos, têm tido um importante impacto no aumento da sobrevida de pacientes oncológicos. Entre as novas armas para o tratamento de pacientes com câncer estão drogas que têm como efeito desejado a reativação da resposta do sistema imune contra células tumorais. Apesar de apresentarem resultados encorajadores, no máximo 20-30% dos pacientes oncológicos podem se beneficiar destes novos tratamentos, também conhecidos como imunoterapias. Em termos gerais, a resistência de tumores a imunoterapias envolve a remodelação insuficiente do sistema imunológico ou mesmo o impedimento de modificações celulares e moleculares que resultariam na eliminação de células tumorais.

Buscando entender quais estratégias biológicas os tumores utilizam para se proteger da ação de imunoterapias, em um estudo liderado pelo Dr. Yaron Carmi da Universidade de Tel Aviv em Israel, publicado na revista eLife em setembro de 2022, cientistas descobriram que células tumorais podem sobreviver a ataques de células imunes ao se esconderem dentro de outras células tumorais.

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Temos de falar sobre a pandemia… da resistência aos antibióticos

por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

A resistência a agentes antimicrobianos (antimicrobial resistance – AMR) continua na sombra, apesar de ser a principal causa de morte no mundo e com um peso superior nos países de poucos recursos económicos. A piorar este cenário está o facto de que a medicina moderna, incluindo cirurgias, quimioterapia, transplantes de órgãos e outros procedimentos invasivos requerem antibióticos eficazes. As infeções incuráveis reduzem o valor destes procedimentos e, assim, reduzem o seu valor para os pacientes.

No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.

No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.

Entre as várias conclusões a que se tem chegado, há um denominador comum: os doentes com estadias hospitalares mais longas são mais propensos a ter agentes patogénicos AMR do que aqueles com estadias mais curtas. Contudo, ficam pendentes as questões: será a AMR que causa estas estadias hospitalares mais longas ou é porque os doentes que ficam mais tempo internados contraem infeções bacterianas AMR? Como se pode distinguir entre doentes que morreram com agentes patogénicos resistentes (sem que seja a causa direta), daqueles que morreram de agentes patogénicos resistentes (como causa direta)? 

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Bebês gerados por reprodução assistida possuem alterações epigenéticas. O que isso significa?

Por Virginia Meneghini Lazzari – Dpto. de Biologia Celular Embriologia e Genética, UFSC

A reprodução assistida é uma área da medicina em crescimento desde que o primeiro “bebê de proveta” nasceu, em 1978. Atualmente, cerca de 8 milhões de crianças já foram geradas utilizando técnicas de fertilização in vitro. Em uma sociedade que cada vez mais adia os planos de ter filhos, a reprodução assistida surge como aliada para realizar o sonho da maternidade/paternidade.

No entanto, não se sabe o impacto das técnicas de fertilização in vitro na saúde das pessoas geradas a partir delas. Estudos têm sugerido uma influência no neurodesenvolvimento, função cardiovascular, metabolismo, crescimento, entre outros. Porém, não está claro se as diferenças observadas nas crianças concebidas por reprodução assistida são causadas pelo próprio procedimento ou por fatores associados à subfertilidade dos pais.

As técnicas de fertilização in vitro envolvem a manipulação e o cultivo de embriões durante um período que coincide com extensa remodelação epigenética. É, portanto, plausível que os procedimentos alterem a epigenética dos embriões e, por consequência, dos bebês gerados a partir deles. O termo epigenética se refere aos mecanismos celulares relacionados ao acesso da maquinaria celular às regiões do DNA. Através da epigenética, ocorre a regulação sobre quais genes cada célula deve “ler”. Fazendo uma analogia, é como se o DNA de uma pessoa fosse um “livro de receitas” sobre como o corpo deve ser construído e funcionar, e a epigenética é a marcação de quais páginas do livro devem ser lidas por cada célula para que o organismo funcione de forma adequada. Sem a epigenética, todas as receitas do livro poderiam ser lidas por todas as células. Assim, uma célula presente na retina do olho poderia executar a receita de como fazer fio de cabelo, por exemplo, provocando uma completa desordem!

Uma das formas de marcação epigenética, que guia as células sobre locais do DNA que não devem ser acessados, é a metilação do DNA. Nessa marcação, ocorre a ligação de um grupo metil (um carbono e três hidrogênios – CH3) a locais específicos do DNA, chamados de ilhas CpG e, em geral, isso demonstra para a célula que aquele local não deve ser “lido”. Um estudo recente, publicado na Nature Communications*, testou a metilação de DNA do sangue do cordão umbilical de 962 bebês gerados por reprodução assistida e comparou com a metilação de DNA de 983 recém-nascidos concebidos naturalmente. O estudo foi cuidadosamente desenhado para controlar potenciais fatores de confusão associados tanto com o uso de reprodução assistida quanto com metilação do DNA em recém-nascidos, como idade materna, causas de infertilidade, tabagismo e IMC (Índice de Massa Corporal – cálculo para avaliar o grau de sobrepeso e obesidade) materno.

Os cientistas descobriram que recém-nascidos concebidos por reprodução assistida apresentam metilação do DNA diminuída no seu genoma. Foram encontradas diferenças de padrão de metilação em 607 ilhas CpG entre os grupos. 176 destes locais de marcação epigenética estavam presentes em genes conhecidos, incluindo genes relacionados ao crescimento e desenvolvimento neural.

Alguns destes genes apresentaram muitas mudanças no padrão de metilação e chamaram a atenção dos cientistas.

Os genes com mais diferenças entre os grupos foram BRCA1 e HLA-DQB2. BRCA1 é um gene que desempenha um papel fundamental na divisão celular e expressão gênica, sendo um gene de suscetibilidade para câncer de mama de início precoce e apresentou 10 locais com alteração de metilação entre os grupos. Já o HLA-DQB2 é um gene que faz parte do sistema HLA, um grupo de proteínas envolvido tanto na resposta imune normal quanto na patogênese de doenças e apresentou 11 locais com alteração de metilação.

Chocante, não? Mas calma, apesar de tantas alterações, não é possível saber se as diferenças epigenéticas observadas persistem na idade adulta e contribuem para mudanças na saúde entre crianças concebidas por reprodução assistida e crianças concebidas naturalmente. Ainda há um longo caminho para entender as consequências destes achados, atualmente tudo indica que a reprodução assistida é segura e gera pessoas saudáveis e ainda não é possível saber o que estes achados significam. O papel dos cientistas é sempre observar, questionar e investigar as possibilidades biológicas relacionadas aos procedimentos realizados. É neste sentido que as pesquisas devem continuar ocorrendo, para garantir a segurança da população.

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