por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
A resistência a agentes antimicrobianos (antimicrobial resistance – AMR) continua na sombra, apesar de ser a principal causa de morte no mundo e com um peso superior nos países de poucos recursos económicos. A piorar este cenário está o facto de que a medicina moderna, incluindo cirurgias, quimioterapia, transplantes de órgãos e outros procedimentos invasivos requerem antibióticos eficazes. As infeções incuráveis reduzem o valor destes procedimentos e, assim, reduzem o seu valor para os pacientes.

No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.
No sentido de perceber como se pode minorar este problema de saúde pública, que começa a ser um flagelo, têm sido feitas várias tentativas para estimar o fardo global da AMR e as suas causas, e identificar as zonas geográficas com maior prevalência. Estas avaliações visam implementar programas de prevenção e controlo de infeções, e influenciar os políticos na tomada de decisões bem informadas para investirem na resolução deste problema ou pelo menos no abrandamento da sua extensão.
Entre as várias conclusões a que se tem chegado, há um denominador comum: os doentes com estadias hospitalares mais longas são mais propensos a ter agentes patogénicos AMR do que aqueles com estadias mais curtas. Contudo, ficam pendentes as questões: será a AMR que causa estas estadias hospitalares mais longas ou é porque os doentes que ficam mais tempo internados contraem infeções bacterianas AMR? Como se pode distinguir entre doentes que morreram com agentes patogénicos resistentes (sem que seja a causa direta), daqueles que morreram de agentes patogénicos resistentes (como causa direta)?
Recentemente, em 2019, na revista The Lancet, Christopher Murray e colaboradores apresentaram um estudo em que equacionaram o peso da resistência aos antibióticos a nível global. Analisaram 23 patógenos causadores de doença e 88 combinações diferentes patógeno-antibiótico, em 204 territórios e países, relativamente a: número de mortes em que a infeção foi determinante, proporção de mortes infecciosas em que se podia atribuir um síndroma infecioso (ex. infecção respiratória), proporção de mortes por síndroma infecioso, às quais se podia atribuir um determinado patógeno, percentagem de um dado patógeno que revelava AMR, e o aumento de risco de morte ou duração de infeção associada à resistência. Utilizando estes dados e modelagem estatística, pretenderam distinguir dois cenários: mortes atribuídas à AMR e mortes associadas à AMR.
Das 4,95 milhões de mortes contabilizadas, 1,27 milhão foram diretamente atribuíveis à AMR. Ou seja, se todas as infeções resistentes a medicamentos fossem substituídas por nenhuma infeção, 4,95 milhões de mortes poderiam ter sido prevenidas, enquanto que se todas as infeções resistentes a medicamentos fossem substituídas por infeções suscetíveis a medicamentos, 1,27 milhão de mortes poderiam ter sido prevenidas.

Este dado reforça em absoluto que se houvesse prevenção de infeções, muitas dessas mortes seriam evitáveis. Mas como se podem controlar estas infeções? Melhorando, em primeira mão, a água e o saneamento, a saúde pública e a higiene hospitalar, e através da vacinação. As primeiras medidas já foram sendo efetivadas nos países de maior desenvolvimento económico, mas têm sido difíceis de pôr em prática em contextos mais pobres. Relativamente à vacinação contra agentes bacterianos, sabemos que apenas a pneumonia pneumocócica é evitável através da vacinação. Contudo, as vacinas preventivas contra os agentes patogénicos virais, como por exemplo a gripe e o rotavírus podem ser eficazes na redução da necessidade de tratamento com antibióticos, na medida em que a simples redução das infeções causadas pelos vírus, já reduz o consumo inadequado de antibióticos.
A nível regional observaram os maiores níveis de resistência na África subsaariana Ocidental e os níveis mais baixos na Australásia. O síndroma infecioso que mais contribuiu para as mortes associadas à AMR foram as infecções respiratórias. Os top 6-patógenos associados a mortes pela AMR foram Escherichia coli, seguida de Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Streptococcus pneumoniae, Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa. A combinação patógeno-antibiótico que causou mais de 1 milhão de mortes atribuídas à AMR foi S. aureus-meticilina resistente.
Sendo o valor de 1,27 milhão de mortes atribuídos à AMR praticamente idêntico ao observado quando se somam as mortes por HIV (680.000) e malária (627.000), ficando apenas atrás do número de mortes por COVID-19 e tuberculose, é imperativo que os líderes da saúde e da política a nível local, nacional e internacional levem a sério a importância de abordar a AMR. As despesas devem ser orientadas para a prevenção das infeções, para garantir que os antibióticos existentes sejam utilizados de forma adequada e criteriosa, e para investir no desenvolvimento de novos medicamentos antimicrobianos no mercado.
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