Uma assinatura microscópica das cidades: o que as abelhas nos revelam sobre os microrganismos urbanos

Uma assinatura microscópica das cidades: o que as abelhas nos revelam sobre os microrganismos urbanos

Por Fabienne Ferreira – Dpto. de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de metade da população mundial vive atualmente em áreas urbanas, e estima-se que essa proporção aumente para 70% até 2050. Nas cidades, temos uma mistura de muitos seres vivos, como pessoas, animais não humanos e plantas, cada um com suas próprias comunidades de microrganismos. A soma de todas essas comunidades microscópicas (invisíveis aos nossos olhos nus) é chamada microbioma. Essas diferentes formas de vida interagem o tempo todo, tanto entre si quanto com os prédios e ruas que criamos. 

Uma crescente quantidade de evidências científicas nos mostra que a saúde e bem-estar dos seres vivos dependem dessas interações.

Na verdade, o desenvolvimento e a saúde dos seres humanos estão relacionados a uma combinação de características individuais e características dos microrganismos que habitam nosso corpo.

Além disso, foi descoberto que o momento de floração das plantas depende do conjunto de microrganismos no solo, e que compostos metabólicos úteis em plantas medicinais são possivelmente sintetizados em conjunto com suas bactérias parceiras. 

Continuar lendo

Jejum intermitente: vale a pena ou não?

Por Rita Zilhão – Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa

Com o desenvolvimento econômico, a disseminação das dietas e os modernos estilos de vida ocidentais, a obesidade duplicou entre 1980 e 2015 e tornou-se um problema. Cerca de 60% das mortes globais anuais estão relacionadas com a obesidade na medida em que esta, enquanto distúrbio metabólico crônico, contribui para doenças como as cardiovasculares ateroscleróticas, diabetes tipo 2 e diferentes tipos de cancro (câncer em português brasileiro).

As estratégias de tratamento da obesidade passam pela cirurgia, medicação, exercício físico, dietas variadas e também o jejum. Nesta última categoria, entra o jejum intermitente (IF – intermittent fasting) que se tem revelado eficiente na sua relação com a perda de peso, e em alguns casos até descrito como mais eficaz do que programas de treino físico.

Por outro lado, a remodelação da microbiota intestinal também tem sido uma estratégia para a prevenção da obesidade na medida em que impede ou promove a absorção de nutrientes regulando o metabolismo do hospedeiro. Também se sabe que nos programas de dieta o tipo e o tempo em que se consomem os alimentos modificam o ritmo da microbiota intestinal.

Continuar lendo

Músculos e Miocinas: um salto para uma vida saudável

Músculos e Miocinas: um salto para uma vida saudável

Por Heiliane de Brito Fontana – Dpto. de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Toda forma de atividade física envolve a contração de músculos estriados esqueléticos. Lições aprendidas com a exposição prolongada à microgravidade ou ao desuso nos mostram o quão indispensável é o estímulo mecânico dos músculos para a nossa saúde.

A capacidade dos músculos esqueléticos de se encurtar e produzir força durante a contração advém do deslizamento de miofilamentos contidos nas fibras musculares, as células contráteis do músculo. Esses miofilamentos se organizam como elos de uma corrente no músculo através de unidades funcionais microscópicas chamadas de sarcômeros (do grego Sarx, Sarkos, carne e Meros, parte).

É o alinhamento dos sarcômeros nos músculos que resulta nas estrias presentes na fibra muscular quando observada ao microscópio.

O nome “músculo estriado esquelético” reflete essa organização dos sarcômeros e o fato desses músculos se ancorarem no esqueleto. Os únicos órgãos em nosso corpo sob comando voluntário são os músculos, sendo capazes de gerar a força necessária ao movimento das nossas articulações.

Continuar lendo

Testes genéticos podem levar à indicação de cirurgias mamárias desnecessárias

Por Bruno Costa Silva – Champalimaud Centre for the Unknown – Lisboa, Portugal 

A identificação de modificações genéticas associadas a cânceres tem, há mais de 100 anos, despertado esperança na possibilidade de identificar pacientes mais suscetíveis a desenvolver esta doença e tratá-los antes da progressão maligna dos tumores.  Essa história iniciou com as ideias do citologista Theodor Boveri, que previu a relação entre a instabilidade da composição do DNA de células com o aparecimento de tumores em 1911. Esse conceito foi confirmado nos anos 1960 pelos cientistas Peter Nowell e David Hungerford que associaram a anomalia genética, conhecida como “cromossomo Filadélfia”, com o desenvolvimento de leucemias e, posteriormente, aprofundado por Robert Weinberg, Michael Bishop e seus colegas nos anos 1970, que descobriram as primeiras mutações genéticas (conhecidas como oncogenes) ligadas à ocorrência de tumores.

Em meados dos anos 90, em um trabalho liderado pela cientista Mary-Claire King, envolvendo 329 participantes, descobriu-se modificações nos genes BRCA1 e BRCA2, associadas ao maior risco (~13% em mulheres sem a mutação vs. ~45-80% naquelas com a mutação) de desenvolvimento hereditário de tumores de mama.

Apesar da maioria dos casos de tumores de mama não possuir associação com mutações hereditárias, tem sido cada vez mais comum a tomada de decisões por procedimentos radicais, como a remoção profilática das mamas, em casos onde modificações em BRCA1 ou BRCA2 são identificadas.

Continuar lendo

As mudanças climáticas podem contribuir para o aumento da resistência aos antibióticos?

Por Fabienne Ferreira Dpto. de Microbiologia, UFSC

Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou uma lista com as 10 principais ameaças à saúde pública mundial, onde estão inseridas as mudanças climáticas e a resistência aos antibióticos. Mudanças climáticas referem-se às alterações de longo prazo nos padrões médios de temperatura, precipitação, ventos, entre outros aspectos no planeta. As principais consequências das mudanças climáticas incluem o aquecimento global, o derretimento das geleiras, eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade. Segundo a OMS, estas mudanças estão relacionadas a cerca de 250.000 mortes adicionais esperadas por ano entre 2030 e 2050. 

Já a resistência aos antibióticos é um fenômeno em que microrganismos, como bactérias, tornam-se menos sensíveis ou completamente resistentes aos efeitos dos antibióticos que anteriormente eram eficazes contra eles.

Continuar lendo

Memórias, não são só memórias!

Por Geison Souza Izídio, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Temos a tendência natural a tratar nossas memórias do passado, como verdades absolutas. Para nós, elas são representações fidedignas de eventos, que se passaram em nossas vidas. Baseados nas nossas memórias podemos inclusive evocar estados de felicidade, ou de sofrimento intenso, no presente.

O treinador de futebol Jorge Sampaoli recentemente iniciou o seu trabalho no comando do Flamengo. Numa entrevista, concedida em junho de 2023, Jorge afirmou, por duas vezes, que se lembrava muito bem da sua primeira vez trabalhando no Maracanã. Teria sido em um jogo onde ele dirigia a “Universidad de Chile” contra o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho, em outubro de 2011. Ótima memória para um evento de mais de 10 anos atrás, não? Porém, na verdade, o jogo nunca foi realizado no Maracanã, mas sim em outro estádio, o Engenhão!

Como poderia Jorge ter confundido dois estádios tão diferentes, que ficam a quilômetros de distância? Seriam nossas memórias representações não precisas de eventos passados? Podemos ter lembranças falsas a respeito da nossa própria vida?

Há muito tempo a comunidade científica sugere que existe uma representação física das memórias no cérebro, algo que é conhecido como engrama. Mas há 10 anos, em julho de 2013, cientistas do MIT, nos EUA, revolucionaram a ciência demonstrando, no cérebro de camundongos, que seria realmente possível implantar memórias falsas.

Continuar lendo

Regeneração dos tecidos que sustentam o dente: células presentes durante a formação da raiz indicam um caminho

Por  Michelle T. Biz. Dpto. de Ciências Morfológicas, UFSC

Embora a cárie seja a doença mais conhecida do dente, esta não é a única a acometê-lo. A doença do periodonto (doença periodontal) também pode levar à perda de um dente por lesão dos tecidos de sustentação. 

A palavra periodonto vem do latim e refere-se aos tecidos que estão ao redor do dente (perio, ao redor; odonto, dente) e estes garantem uma boa implantação e sustentação do dente no osso da maxila e mandíbula, sendo eles: o cemento, o ligamento periodontal e o osso alveolar. Quando ocorre uma inflamação/infecção com lesão destes tecidos, o dente pode perder sustentação. Hoje em dia, os tratamentos instituídos conseguem estacionar a progressão da doença periodontal, mas ainda não há um tratamento efetivo para a recuperação/regeneração destes tecidos, principalmente quando as perdas são mais extensas e complexas.

Continuar lendo