Por Michelle Tillmann Biz – Dpto. de Ciências Morfológicas / UFSC
As restaurações dentárias, em decorrência de cáries, são uma rotina nos consultórios odontológicos e envolvem o uso de materiais sintéticos e/ou cimentos minerais.
Em relação à profundidade da cárie, podemos ter vários níveis de lesões (Figura 1). Geralmente as cáries rasas e médias atingem somente o esmalte e a dentina. Já as cáries profundas podem atingir a polpa dentária, um tecido vital, rico em células-tronco (vide texto anterior no CDQ sobre o assunto), que se encontra no interior do dente.
Em todos os casos, após o acesso à lesão de cárie e limpeza da cavidade, os materiais restauradores preenchem essas cavidades permanecendo no dente de forma definitiva. Mas, quando a cavidade é profunda e expõe a polpa dentária, uma sequência de eventos de reparo natural é ativada nesse tecido. Neste processo, células-tronco residentes da polpa serão mobilizadas a diferenciarem-se em novas células produtoras de dentina (os odontoblastos). Esses odontoblastos irão produzir uma fina camada de dentina reparadora (chamada de ponte dentinária) abaixo da restauração. Porém, apesar de existir a formação de um tecido natural, essa dentina reparadora ficará restrita a este ponto, não alcançando a recuperação do volume total de dentina perdido após a remoção da cárie, ficando ao encargo do material restaurador selecionado substituir a dentina perdida.
Entretanto, CIENTISTAS DESCOBRIRAM QUE… a estimulação e condução adequada de células-tronco residentes na polpa dentária pode levar à recuperação do volume de dentina perdido anteriormente pela cárie, alcançando uma restauração mais biológica. Para isso, os cientistas utilizaram esponjas de colágeno biodegradáveis embebidas em baixas doses de antagonistas do glicogênio sintase quinase (GSK-3) preenchendo cavidades dentárias profundas com exposição pulpar. Essa substância estimulou as células-tronco que residem na polpa do dente ocuparem o local da esponja e produzirem dentina reparadora neste local, levando a recuperação do volume mineral perdido, o que não é possível com técnicas restauradoras atuais.
Os pesquisadores partiram do princípio que, quando a polpa é exposta em decorrência de uma cavidade de cárie profunda, ocorre ativação da sinalização Wnt/β-catenina, sendo essa essencial para estimular o reparo em qualquer tecido.
De forma simplificada (Figura 2), a molécula Wnt, que se encontra fora da célula, funciona como uma chave que se adapta a um receptor de membrana na célula, chamado Frizzeld (sua fechadura). Na ausência de Wnt, a via de sinalização está desativada, e por isso dentro da célula a enzima glicogênio sintase quinase 3 (GSK-3) causará a degradação da β-catenina. Porém, quando há Wnt disponível fora da célula e esta se liga ao seu receptor de membrana Frizzeld, a via de sinalização é ativada e a atividade de GSK-3 é interrompida, permitindo que a β-catenina entre no núcleo da célula desencadeando o processo de regulação gênica que culminará com o reparo tecidual.
Dessa forma, utilizar uma substância que cause a inibição de GSK-3 resultaria em uma maneira eficaz de estimular o reparo, aprimorando a sinalização Wnt/β-catenina. Várias moléculas inibidoras de GSK-3 já foram desenvolvidas, sendo uma destas o Tideglusib, que já está em fase de ensaios clínicos para o tratamento de distúrbios neurológicos, como doença de Alzheimer.
Nesse caso, os pesquisadores simularam cavidades profundas com exposição pulpar em molares de ratos. Essas cavidades foram preenchidas com uma esponja de colágeno biodegradável (Kolspon) embebidas em Tideglusib. Acima das esponjas foi realizado o selamento da superfície da cavidade. Após seis semanas, a análise histológica revelou a formação de dentina reparadora no local ocupado anteriormente pela esponja de colágeno.
O fato de utilizarem dois materiais que já possuem aprovação para uso clínico (esponja de colágeno biodegradável Kolspon e o medicamento Tideglusib), aliado à simplicidade desta abordagem, confere um potencial enorme como produto clínico dentário nos casos de polpa exposta. Se antes a polpa era apenas protegida e as cavidades seladas com material restaurador definitivo, agora a polpa estará em contato com esponja/medicamento. Enquanto o medicamento ativa as células-tronco para o reparo, a esponja é degradada lentamente. Dessa forma, as novas células passam a povoar o local ocupado pela esponja, produzindo dentina reparadora nesta cavidade. Ao final, poderemos ter a devolução do volume perdido por dentina natural, e não mais por material restaurador sintético.
Este foi apenas o primeiro passo no caminho para uma restauração mais biológica. Mas, sem dúvida alguma, se validada, os benefícios desse procedimento serão inúmeros, visto que devolverá ao dente uma estrutura mais natural, sendo isto preferível ao melhor material restaurador sintético.
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