Novas Reviravoltas na Guerra dos Tronos? Um tal fóssil da Anatólia…

Por Paulo César Simões-Lopes – Departamento de Ecologia e Zoologia – UFSC

Ossos e dentes fragmentados! Isso é tudo o que temos ao olhar em direção ao passado da evolução humana e de nossos parentes mais antigos. Sim, saímos da África ou do Oriente Médio e nos espalhamos pelo mundo. Essa foi a nossa sina. Mas o que aconteceu antes? Bem antes…

Estamos falando de uma data difícil de compreender mentalmente. Seis ou sete milhões de anos é uma abstração para a maioria de nós. Mas foi nesse tempo que um tal ancestral comum, que partilhamos com os outros grandes primatas − especialmente com a linhagem chimpanzé −, vagou por algum lugar da África.

Os cientistas costumam dar o crédito a um tal Sahelanthropus tchadensis, filho da fornalha da África. É uma boa pista, mas não a única. A ele caberia o trono − a alcunha de elo perdido −, por fim descoberto e coroado. Mas e antes dele? Lá pelos oito milhões de anos em direção ao passado?

Bem, em verdade há um mar de ossos e dentes fragmentados, alguns pedaços de mandíbula, crânios quebrados, ossos do quadril e assim por diante. Todos de primatas quadrúpedes, mas que partilhavam seu parentesco com outros grandes primatas como os gorilas e orangotangos. Assim, eles não pertenciam ao nosso ramo evolutivo imediato. Estavam espalhados pela Ásia, África e Europa, mas foi então que os Cientistas Descobriram Que nesse quebra-cabeças complexo, poderia haver algo mais… 

Há um lugar no mundo que vem revelando maravilhas em termos de fósseis de primatas. Trata-se da Anatólia, ao norte da Turquia e de alguns países do leste europeu. E foi por lá, no que hoje conhecemos como Macedônia e Turquia, que foram descritos os fósseis de primatas conhecidos por Ouranopithecus e Anadoluvius.  São nomes estranhos, mas descobertas reveladoras. 

Anadoluvius turkae foi recuperado no sítio de Çorakyerler, na região central da Anatólia perto da cidade de Çankırı. Sua datação é bem antiga, isto é, mais de oito milhões de anos! São cerca de cinco fragmentos de mandíbula, face e palato com vários dentes inteiros. Parece pouco, não é mesmo? Mas foi o suficiente para que os cientistas das Universidades de Ankara e Pamukale e seus colaboradores estrangeiros, liderados pela professora Ayla Sevim Erol, fossem a fundo nas questões anatômicas. 

Os tais Cientistas Descobriram Que o tamanho dos dentes e o formato de suas raízes e canais dentários, a espessura do esmalte dentário, as proporções da mandíbula e do palato (céu da boca) do fóssil da Anatólia, tinham muitas semelhanças com a linhagem compartilhada pelos chimpanzés e humanos e diferiam da dos orangotangos, por exemplo. Isto foi avaliado por medições diretas dos fósseis e reconstruções em 3D. Para chegar a essa proposta, eles produziram centenas de representações gráficas de parentesco evolutivo chamadas pelos cientistas de cladogramas. Se aceitas, essas descobertas podem nos conduzir a pelo menos três questões importantes e que podem mudar os arranjos no quebra-cabeças de quem é quem. 

A primeira mudança relaciona-se ao tal elo perdido de nossa linhagem pregressa com os chimpanzés. Seria Anadoluvius turkae e não Sahelanthropus tchadensis, o tal candidato a esse cobiçado trono? Ambas foram espécies quadrúpedes de áreas abertas e secas, que conviveram com os parentes antigos das hienas, antílopes e zebras. 

A segunda mudança de concepção deve-se ao tempo de origem de nossa linhagem compartilhada com os chimpanzés. Isto é, teríamos de recuar mais de um milhão de anos para tatear nosso ancestral comum. 

A terceira e mais dramática das mudanças, talvez a que cause maior rebuliço no meio científico, seja a de uma origem não africana de nossa linhagem antiga. (Vejam! Aqui não estamos falando de nossa espécie). 

Teríamos iniciado nossa trajetória no Cáucaso e norte da Turquia e só depois entrado na África? Ou a linhagem Anadoluvius teria por fim sido extinta sem deixar descendentes? Quem herda o trono agora?

Na África nos diversificaríamos, nos tornaríamos bípedes, fabricaríamos as primeiras ferramentas em pedra e nos tornaríamos cada vez mais uma espécie única (como, aliás, todas as demais). De lá sairíamos, mais de uma vez, em diferentes momentos e nos espalharíamos pelos confins da terra. Sairíamos com os nomes de Homo erectus, H. heidelbergensis e depois de H. sapiens, mas isso é outra história.

Por enquanto, o quebra-cabeças continua instável. Quem é quem na guerra dos tronos daquele que seria o ancestral mais antigo de nossa linhagem? Os caminhos tortuosos da evolução humana e os recentes achados de fósseis tornam as coisas dinâmicas e fascinantes. Nada parece definitivo. Conforme novos fósseis aparecem, o quebra-cabeças se reformula. Assim é a aventura da Ciência…

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