Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV): Se não há um tratamento que leve à cura, então como existem alguns pacientes considerados curados?

Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV): Se não há um tratamento que leve à cura, então como existem alguns pacientes considerados curados?

Por Ricardo MazzonDepartamento de Microbiologia – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Desde o surgimento da epidemia de HIV na década de 1980, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) tem chamado atenção da população, autoridades sanitárias e cientistas. De uma sentença de morte no início da epidemia para os dias de hoje com tratamentos muito avançados, embora não curados, os portadores do vírus podem viver uma vida normal com pouco ou nenhum efeito colateral das medicações modernas. Mas a cura não veio e os pacientes precisam utilizar a medicação por toda a vida, assim como qualquer paciente com uma doença crônica como diabetes ou hipertensão.

Mas mesmo na ausência de um tratamento que promova a chamada cura esterilizante, na qual os vírus são destruídos de todo o organismo, alguns casos se tornaram célebres. Até a presente data (Abril/2024), há relatos na literatura científica de seis pacientes completamente curados do HIV (a chamada cura esterilizante) e que, portanto, não necessitam mais tomar as medicações antirretrovirais.

Os pacientes ficaram conhecidos como: Paciente de Berlim (Hütter et al., 2009), Paciente de Londres (Gupta et al., 2019), Paciente de City of Hope (Dickter et al., 2022), Paciente de Düsseldorf (Jensen et al., 2023), Paciente de Nova York (Hsu et al., 2023) e, mais recentemente, o Paciente de Genebra (Sáez-Cirión, 2023).

Todos os seis pacientes citados apresentaram, independentemente da infecção pelo HIV, alguma espécie de câncer como leucemia mieloide aguda, sarcoma bifenotípico ou Linfoma de Hodgkin. Essas doenças acometem células que são geradas pela medula óssea do paciente e, portanto, o tratamento se baseia na destruição por radiação da medula desses pacientes e a recepção de transplante de medula óssea de doadores saudáveis, culminando assim com a substituição de células cancerosas por células saudáveis. Esse tratamento, todavia, é muito arriscado porque destrói completamente as defesas do paciente até que a nova medula possa restabelecer a imunidade do receptor.

Aqui vale a pena abrir um par de parênteses em nossa narrativa: os vírus não se multiplicam fora das células, eles precisam entrar em uma célula para se multiplicar. Mas não entram em toda ou qualquer célula! Um vírus só consegue entrar nas células que apresentam um receptor na superfície que seja reconhecido por ele; é uma espécie de chave e fechadura.

Aqui vale a pena abrir um par de parênteses em nossa narrativa: os vírus não se multiplicam fora das células, eles precisam entrar em uma célula para se multiplicar. Mas não entram em toda ou qualquer célula! Um vírus só consegue entrar nas células que apresentam um receptor na superfície que seja reconhecido por ele; é uma espécie de chave e fechadura.

Se o vírus tem a chave que encaixa na fechadura da célula ele entra e se reproduz, caso contrário não. E o vírus do HIV não é diferente nesse sentido, apenas entrando nas células que apresentam uma espécie fechadura chamada CD4/CCR5 que está presente em algumas células do sistema imune gerado pela medula, como é o caso dos linfócitos, por exemplo. Acontece que se ocorrer uma mudança nessa fechadura, a chave do vírus não consegue mais permitir sua entrada na célula. 

Isso foi o que permitiu a cura dos cinco primeiros pacientes, à exceção do Paciente de Genebra. As células da medula dos doadores tinham uma rara mutação (5% da população) no gene que codifica a fechadura na porção CCR5 que deletou 32 nucleotídeos, gerando uma fechadura incapaz de ser reconhecida pela chave do HIV, portanto, tornando essas células resistentes ao vírus. Assim, quando essa medula gerou as novas células de defesa do paciente, essas células não foram infectadas pelo HIV e o vírus acabou sendo destruído pelo sistema imune sem ter a capacidade de se reproduzir. Portanto, os pacientes acabaram sendo curados do HIV como uma espécie de efeito colateral do tratamento para o câncer.

A essa altura de nosso texto você pode estar se perguntando: Então por que não usam esse tratamento para todos os pacientes com HIV? A resposta é que é muito arriscado e o custo/benefício não vale a pena. As chances de viver de forma saudável com a medicação antirretroviral disponível nos dias de hoje é muito alta para se optar por um procedimento de alto risco de morte como o de destruição da medula e implante de medula de um doador – única saída para a cura do câncer que, sem tratamento levaria a morte o paciente. Além do fato da necessidade de encontrar um doador compatível com o paciente e que apresente a mutação no componente CCR5 da fechadura.

O caso mais recente mostrado na 12ª Conferência da Sociedade Internacional sobre AIDS (12th IAS Conference on HIV Science, 2023) mostra o sexto caso de cura esterilizante para o HIV (Paciente de Genebra) que não recebeu um transplante de um doador com essa mutação. As células geradas pela medula transplantada nos pacientes possuem o receptor CD4/CCR5 normal e, em teoria, as células geradas seriam susceptíveis a nova infecção por HIV. O paciente continuou com a medicação por 2 anos após o transplante e, então, procedeu com a interrupção de tratamento medicamentoso que já dura 20 meses. Embora os dados de cura ainda sejam preliminares e os pesquisadores permanecerão acompanhando-o por mais alguns meses. Este caso mais recente demonstra que muito ainda precisa ser entendido a respeito da biologia do vírus e da patogênese do HIV e, infelizmente, a cura esterilizante acessível a todos os pacientes ainda não é uma realidade próxima. Todavia, isso não quer dizer que não haja outros estudos promissores focados em cura esterilizante, como a recente utilização de terapia celular CAR-T (Sterner and Sterner, 2021), mas deixemos isso como cenas para os próximos capítulos e, em breve, traremos uma discussão mais aprofundada a respeito.

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