Ferro… um novo ingrediente da morte celular!

Por Rafael Diego Rosa – Dpto de Biologia Celular, Embriologia e Genética/UFSC

Que o ferro faz bem para a saúde todo mundo sabe, mas o que muitos desconhecem é que ele é um dos principais protagonistas de um novo mecanismo de morte celular programada. Cientistas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, descobriram que o desbalanço intracelular de ferro compromete as defesas antioxidantes levando a célula a acionar um tipo de morte batizado de ferroptose (do latim “ferrum” que significa ferro e do grego “ptosis” que significa queda). Atualmente, mais de 10 tipos de mortes celulares programadas foram reconhecidos pelo Comitê Internacional de Nomenclatura sobre Morte Celular (The Nomenclature Committee on Cell Death) que analisa e classifica os diferentes processos de morte das células. Além da apoptose, as células contam com os mecanismos de morte autofágica, necroptose, piroptose, parthanatos, anoikis… Nossa! Quantas maneiras diferentes elas inventaram para morrer!!

Por mais antagônico que pareça, a morte celular programada é um processo fisiológico muito importante para a manutenção do nosso corpo. Na verdade, os processos celulares de morte nos acompanham desde os nossos primeiros meses de vida, quando ainda estávamos no útero de nossas mães. Durante o desenvolvimento embrionário, a apoptose é responsável pela formação das nossas pálpebras e pela perda das membranas interdigitais, resultando na formação dos dedos das mãos e dos pés. Essas membranas interdigitais são as mesmas que unem os dedos das rãs e das aves aquáticas (patos, gansos, cisnes, gaivotas) para auxiliar na natação. No começo da formação das nossas mãos e pés, essas membranas também são formadas, mas após algum tempo de desenvolvendo, elas vão sendo eliminadas. Algumas pessoas nascem com membranas entre os dedos das mãos e dos pés por causa de erros que aconteceram durante os processos de apoptose. Quando adultos, as nossas células de defesa utilizam outro processo de morte celular chamado netose para formar redes de DNA que capturam, aprisionam e destroem microrganismos invasores. Todos esses processos de morte celular são fundamentais para a formação e manutenção de todo o nosso organismo.

Diferente dos demais tipos de morte celular, a ferroptose caracteriza-se pelo acúmulo de produtos tóxicos derivados do metabolismo do ferro. O desbalanço de ferro dentro das nossas células causa a produção de um composto altamente tóxico chamado radical hidroxila. Esse radical livre é tão perigoso que pode atacar qualquer constituinte da célula, como as diferentes organelas, o DNA e até mesmo a membrana celular. Quando esses radicais atacam a membrana da célula, os seus componentes (lipídeos e proteínas) vão sendo pouco a pouco degradados, resultando na perda da sua função. Uma das principais funções da membrana celular é controlar tudo que entra e sai da célula. Esse controle é importante para manter constante o volume da célula. Quando esse controle é perdido, durante o processo de ferroptose, a célula se enche de água até estourar!

Para se defender dos efeitos nocivos dos radicais livres, a célula conta com eficientes defesas antioxidantes. Um dos grandes heróis nessas batalhas antioxidantes é a enzima Glutationa peroxidase 4 (GPx4) que converte radicais livres em compostos menos tóxicos. A produção da GPx4 depende enormemente da entrada de certas moléculas nas células. O bloqueio da entrada dessas moléculas, por compostos químicos como a erastina (eradicator of RAS and ST-expressing cell), afeta diretamente a produção de GPx4… a partir daí, já podemos imaginar as consequências! A erastina foi inicialmente descrita como uma molécula capaz induzir a morte de células cancerosas portadoras de determinadas mutações em seu DNA. A ativação da ferroptose pela administração de erastina foi cogitada, por exemplo, como uma estratégia terapêutica para o tratamento de alguns tipos de tumores. No entanto, algumas células tumorais são capazes de produzir potentes inibidores da ferroptose (como a ferrostatina-1), escapando facilmente desses tratamentos. Além da erastina, novos indutores de ferroptose (buthioninesulfoximina, RSL3, RSL5, lanperisona…) estão sendo testados e, talvez num futuro próximo, tenhamos um novo tratamento antitumoral disponível.

A lição que aprendemos com a ferroptose, assim como com os demais tipos de morte celular programada, é que o final da vida de uma célula pode representar a garantia de sobrevivência de um organismo inteiro. Muitas perguntas ainda precisam ser respondidas para que possamos compreender totalmente a função desse enigmático tipo de morte celular dependente de ferro. Assim, da próxima vez que você for consumir alimentos ricos em ferro (feijão, lentilha, agrião, alga do sushi…), lembre-se que além de ajudar a combater a anemia, ele possui agora um lugar de destaque nos processos que envolvem a renovação das células do seu corpo!

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