Por Giordano W. Calloni – Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

O “clássico” painel do carro DeLorean do filme De volta para o futuro. A primeira data (em vermelho) é a data da viagem utilizada no filme, a segunda data (em verde) é a data de destino que marca o dia de publicação do primeiro artigo científico que relata a conversão de astrócitos em neurônios. A terceira data (em amarelo) é a data do último destino visitado: 7 de dezembro de 1998, dia em que Michael Jay Fox anuncia publicamente que sofre de Parkinson.
– São exatos 01 hora e 21 minutos da madrugada de um sábado chuvoso do ano de 1985, raios e relâmpagos iluminam o céu. Mais do que de repente as marcas de pneu invadem a pista e um carro prateado surge do nada.
– De dentro desse carro-espaçonave surge um rapaz agitado que grita ao velho de cabelos esbranquiçados:
– Doc! Acabo de voltar do dia 07 de dezembro de 1998 e me vi anunciando ao público que sofro de uma doença terrível. Ela é causada pela morte de certos neurônios no cérebro. Esses neurônios produzem um neurotransmissor chamado dopamina. Entre outras funções, eles são responsáveis por controlar os movimentos. Se não fizermos nada eu terei essa doença chamada de Doença de Parkinson! Eu me vi tremendo e com dificuldades de caminhar! Foi como um pesadelo!
– O velho sem pestanejar responde:
– De volta para o futuro, Michael, digo Martin, coloque no DeLorean o ano 2020!
Martin surpreso intercede:
– Poxa Doc, você acha que em apenas 35 anos os cientistas já terão a cura para essa doença?
– Não sei Martin, mas eu sou um cientista e acredito na ciência e nos cientistas, vamos verificar!
Se chegassem de sua viagem no tempo no dia 30 de abril de 2020, data de publicação de um interessante artigo na revista científica Nature, Martin e o velho Cientista ficariam realmente entusiasmados. Nesse artigo, eles leriam que os Cientistas descobriram que é possível converter um tipo de célula abundante em nosso cérebro (chamada de astrócito) em neurônios produtores de dopamina. Exatamente leitor, aqueles neurônios que Michael (ops, Martin) tanto precisa ter de volta em seu cérebro!
Mas como os cientistas conseguiram isso? No Instituto de Neurociências da China, o grupo liderado pelo Dr. Zhou observou que a diminuição de dopamina endógena, induzia um aumento no número de neurônios dopaminérgicos no cérebro de camundongos (que mimetizam a doença de Parkinson). Mas de onde vinham esses novos neurônios? Os cientistas constataram que eles surgiam da conversão “natural” de astrócitos em neurônios dopaminérgicos. Ou seja, as células estavam mudando de identidade! Como isso seria possível? Se entendermos a origem dessas células fica fácil. Astrócitos e neurônios possuem um ancestral comum chamado de progenitor da glia-radial. Esse progenitor atua como uma célula tronco: primeiro dá origem a neurônios e então diferencia-se em astrócitos e outros tipos de células gliais (células gliais dão suporte e nutrição aos neurônios, e os astrócitos são um dos diversos tipos de células gliais).
No cérebro de um camundongo em desenvolvimento, mais especificamente em uma região do cérebro chamada de mesencéfalo, todas as células da glia-radial expressam um gene chamado Ptbp1. Entretanto os precursores dos neurônios que estão em processo de diferenciação (ou seja, estão se tornando neurônios) e os neurônios já diferenciados (aqueles que já se tornaram neurônios) não expressam esse gene. Em outras palavras, a presença de uma simples proteína chamada PTB (que é codificada pelo gene Ptbp1) pode definir se uma célula tronco (ou progenitora) vai dar origem a um astrócito ou a um neurônio. Se ela estiver presente será um astrócito, se estiver ausente, será um neurônio.
Recentemente, dois grupos de pesquisa, independentemente, tentaram transformar (ou reprogramar) astrócitos em neurônios! Óbvio, inibindo a expressão da proteína PTB! O grupo do Dr. Qian isolou astrócitos do córtex e do mesencéfalo do cérebro de camundongos e usou uma molécula de RNA (chamada de pequeno RNA-grampo, small hairpin RNA). Esse pequeno RNA promove a degradação do RNA mensageiro (RNAm) que foi transcrito a partir do gene Ptbp1. Se o RNAm for destruído, a proteína PTB não é expressa e isso permite a conversão de três diferentes tipos de astrócitos em neurônios. Por outro lado, o grupo do Dr. Zhou obteve o mesmo resultado, mas usando uma estratégia completamente diferente: usando uma técnica moderna de edição gênica, a CRISPR-CasRx, ele conseguiu levar ao desaparecimento do RNAm da Ptbp1 em astrócitos do córtex de camundongos. Todos os experimentos acima foram feitos in vitro, mas quando os dois grupos fizeram a mesma abordagem in vivo (ou seja, bloquearam a expressão de PTB diretamente no cérebro dos animais) chegaram às mesmas conclusões: a geração de novos neurônios a partir de astrócitos. E quando fizeram isso no cérebro de camundongos que apresentavam os mesmos sintomas da Doença de Parkinson, perceberam que os novos neurônios gerados (lembre-se: a partir dos astrócitos) foram capazes de recuperar o comportamento motor dos animais. Fantástico não?
Consigo imaginar o velho de cabelos esbranquiçados dizendo:
– Martin, coloque 2055 no DeLorean, imagine o que mais 35 anos da bela e boa Ciência serão capazes de nos revelar a respeito dessa doença!
– A cura, Doc?
– Quem sabe Martin…
Para saber mais, acesse os artigos originais (o artigo do grupo do Dr. Zhou foi publicado em 30/04/2020 e o do Dr. Qian em 24/06/2020):
- Glia-to-Neuron Conversion by CRISPR-CasRx Alleviates Symptoms of Neurological Disease in Mice.
- Reversing a model of Parkinson‘s disease with in situ converted nigral neurons.
Artigo que inspirou o presente texto:
Para quem não conhecem o filme De volta para o Futuro, clique aqui.
Alexsandro eu gostei bem didatico e eu sou meio antigo viu vi todos de volta para o futuro rsrsr e agora vejo que a ciencia realmente é a melhor viagem Obrigado