Por Rita Zilhão, Faculdade de Ciências de Lisboa, Portugal
Provavelmente, o tema da resistência bacteriana aos antibióticos já foi diversas vezes abordado neste blog. Mas nunca é demais insistir, pois estas superbactérias continuam a ser uma ameaça real em saúde pública.
Tradicionalmente as infecções bacterianas combatem-se com a administração de antibióticos que atuam sobre alvos bacterianos específicos como os ribossomos ou parede celular que, de uma forma genérica, permitem a eliminação das bactérias. Estas estruturas celulares formam-se de acordo com as instruções (expressão dos genes) contidas no DNA cromossômico (genoma) da bactéria. As bactérias na sua extraordinária capacidade de adaptação, podem tornar-se resistentes a determinados antibióticos quando o gene que codifica o referido alvo sofre uma mutação e o produto resultante da sua expressão passa a apresentar uma diferença estrutural deixando de ser reconhecido pelo antibiótico. E, atenção!, que já são muitos os genes mutados que se têm disseminado pelas inúmeras espécies bacterianas.
Então o que há de novo relativamente a esta questão? Como em muitas descobertas científicas, a história começa quando os investigadores se questionam para além dos limites dos esquemas mentais pré-estabelecidos. Foi o que aconteceu com um grupo de investigação liderado por Kai Tittmann, que propôs uma alternativa para debelar as bactérias recorrendo a um grupo de moléculas raras – as antivitaminas. Como todos sabemos, as vitaminas são essenciais a todos os seres vivos sendo específicas para diversas funções celulares como o funcionamento do sistema imunológico, proteção contra o stress oxidativo, construção de componentes celulares etc.. As antivitaminas, por outro lado, sendo semelhantes aos seus equivalentes vitamínicos e levando os sistemas biológicos a considerá-las como tal, são na verdade ligeiramente diferentes. Essa “nuance” converte-as, por vezes, em substitutos catastróficos, tal “como um grão de areia num complexo sistema de engrenagens altamente afinado”, bloqueando a mecânica dos sistemas em que atuam. Uma das poucas antivitaminas naturais descritas é a 2′-methoxy-thiamine (MTh), que pode ser confundida com a vitamina B1 (tiamina).
Observou-se que a MTh está implicada na supressão do crescimento bacteriano, mediante um mecanismo molecular ainda desconhecido, mas que implica uma inibição enzimática seletiva. De facto, a MTh inibe algumas enzimas dependentes da ativação do cofactor difosfato de tiamina (ThDP ou TPP).
Para destrinchar o mecanismo molecular específico de ação da MTh, os investigadores utilizaram numerosas tecnologias nomeadamente a técnica de cristalografia de RX, e estudaram de que forma a MTh poderá funcionar como uma “toxina” relativamente a diferentes enzimas dependentes de ThDP. Compararam enzimas homólogas que existem em E. coli e humanos. Verificaram assim que o grupo 2′-methoxy de difosfato da antivitamina MTh (o grupo MThDP) entra em conflito com um glutamato de ThDP necessária à ativação deste cofator. O glutamato é então forçado a estabelecer uma ligação de hidrogênio estável, com um glutamato vizinho, impedindo a ativação do cofactor e como tal a sua participação na reação das enzimas que dependem de ThDP. Curiosamente, as enzimas humanas, homólogas às bacterianas, mantêm a atividade enzimática mesmo na presença da antivitamina MTh (com o grupo MThDP). Como é isto possível? Utilizando softwares de análise da estrutura tridimensional de proteínas, sugere-se que as proteínas humanas equivalentes não deverão ser afetadas pois a “vitamina impostora” não se liga às mesmas, ou seja, unicamente as bactérias seriam alvo deste “envenenamento” pela antivitamina. Hipoteticamente, as enzimas humanas ligam o ThDP autêntico, sobrepondo-se ao grupo MThDP, enquanto as principais enzimas metabólicas bacterianas são inibidas.
Apesar de os autores afirmarem ser difícil prever neste momento se e por quais mecanismos as bactérias podem desenvolver resistência contra a antivitamina Mth, não deixa de ser uma estratégia distinta dos consagrados antibióticos, com potencial terapêutico e que pode abrir portas na batalha contra as bactérias patogênicas e multirresistentes.
Artigo original, utilizado para elaboração desse texto: