Os produtos naturais no tratamento de doenças

Por Izabella Thaís da Silva – Dpto. de Farmácia, UFSC 

Você sabia que a maioria dos medicamentos que você toma hoje para tratar muitas doenças foi obtida a partir de produtos naturais?

Há milhares de anos o homem vem utilizando os recursos da natureza no tratamento de diversas patologias. Há registros sobre a utilização de plantas, oriundos da Mesopotâmia e datados de 2600 a.C., relatando o uso, por exemplo, de Glycyrrhiza glabra Torr. (alcaçuz) e Papaver somniferum L. (papoula). Desde então, os produtos naturais têm sido a maior fonte de inspiração devido à sua vasta capacidade de sintetizar compostos extremamente complexos, muitas vezes impossível de se reproduzir em laboratório pelos melhores cientistas. Da morfina, isolada dos frutos imaturos da papoula, ao antibiótico penicilina, produzido por um fungo, passando pelo antitumoral Taxol, extraído das cascas de um pinheiro americano, estima-se que 80% dos fármacos em uso são produtos naturais ou foram inspirados pela natureza. Aqui neste link você encontra um importante trabalho de dois pesquisadores do National Institutes of Health (NIH) dos EUA que mostra a origem de 1881 fármacos aprovados entre o período de 01/01/1981 até 30/09/2019. Segundo eles, apenas 25% apresentam origem inteiramente sintética! O restante são produtos biológicos, naturais ou compostos semissintéticos inspirados na estrutura das substâncias naturais.

A natureza também vem contribuindo para o fornecimento de substâncias usadas no tratamento de infeções virais. Um dos exemplos históricos consistiu no uso de compostos presentes em uma esponja marinha que, após algumas modificações químicas, permitiram a elaboração de antivirais de grande importância clínica tais como a vidarabina e o aciclovir, hoje usados para o tratamento de herpes, e o fármaco AZT usado por pacientes HIV positivos.

Outro exemplo de sucesso é o medicamento Tamiflu, usado por pacientes com gripe A, causada pelo vírus Influenza A (VIA), o qual foi produzido a partir do ácido chiquímico, uma substância presente no anis-estrelado chinês. Sabe-se que os vírus respiratórios estão relacionados a grande surtos e pandemias, sendo potencialmente originados de animais. Você já deve ter ouvido falar de algumas das mais temerosas pandemias que assolaram o mundo e que são causadas por vírus, como por exemplo, a Gripe Espanhola, que matou milhares de pessoas ao redor do mundo no ano de 1918, a Gripe Aviária e Suína, em 2004 e 2009, respectivamente, e atualmente a COVID-19 que já provocou mais de 74 mil mortes só no Brasil e 578 mil ao redor do mundo até a presente data (15/07/2020) (para verificar dados atualizados sobre a atual pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2 acesse https://coronavirus.jhu.edu/map.html).

Nesta perspectiva, cientistas descobriram que substâncias naturais chamadas catequinas, presentes no chá-verde, podem impedir a ligação do vírus da gripe na mucosa das vias aéreas e, dessa forma, prevenir a infecção pelo vírus Influenza A (VIA).

Sabe-se que o chá-verde é uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo, principalmente na Ásia. Estudos mostram que o consumo de uma a cinco xícaras de chá verde por dia reduz a incidência de infecção por VIA em crianças1. Além disso, estudos clínicos em idosos mostraram que fazer gargarejos com chá-verde três vezes ao dia por três meses reduziu a incidência de infecção por influenza em comparação com pessoas que fizeram gargarejos com água da torneira2. O extrato de chá-verde já demonstrou inibir in vitro a infecção por VIA, ou seja, impediram que células de laboratório fossem infectadas pelos vírus da gripe. Além disso, as substâncias naturais presentes no chá-verde já demonstraram ter alta afinidade de ligação por proteínas presentes no trato respiratório superior dos humanos, ficando aderidas especialmente em áreas como a faringe e a laringe, justamente o local onde o vírus da gripe infecta e se replica. Portanto, a principal hipótese dos cientistas é que as catequinas presentes no chá-verde ficam aderidas na mucosa faríngea durante a ingestão ou gargarejo do chá-verde reduzindo a infecção por influenza.

O estudo liderado pela equipe do Professor Takashi Suzuki, da Universidade de Shizuoka (Japão), tentou comprovar essa hipótese3. Para isso, primeiramente os cientistas realizaram testes em células isoladas em laboratório e, em seguida, em camundongos. Eles descobriram que um grande teor das substâncias presentes no chá-verde ficou retido na mucosa faríngea dos camundongos. Em seguida, avaliaram se essas substâncias afetariam a infecção pelo VIA. Eles descobriram que havia uma quantidade 50% menor de vírus infecciosos nos pulmões dos animais tratados previamente com o chá-verde quando comparado aos animais não tratados. Esses achados permitiram aos pesquisadores concluir que o chá-verde preveniu a infecção viral e que a ingestão ou gargarejo de chá-verde pode oferecer uma abordagem simples e econômica para prevenir a infecção por VIA.

Entretanto, é importante fazer uma ressalva sobre o uso indiscriminado e/ou sem embasamento científico de produtos naturais para o tratamento das mais diversas doenças. Tal prática acontece, muitas vezes, baseada na ideia equivocada de que “o que é natural não faz mal”. É imperativo esclarecer que inúmeras substâncias presentes na natureza apresentam elevado grau de toxicidade e ainda podem interagir com medicamentos ao serem administrados ao mesmo tempo, elevando sua toxicidade ou até mesmo impedindo sua ação. Na atual pandemia de COVID-19 que estamos vivendo, muitas notícias falsas e estudos empíricos são divulgados atribuindo ação antiviral (frente ao novo SARS-CoV-2) aos mais diversos produtos naturais. Para orientar a população, a Sociedade Brasileira de Farmacognosia publicou uma Nota de Esclarecimento sobre o uso de plantas medicinais contra o coronavírus onde reitera que, NÃO existe até o momento nenhuma planta ou extrato vegetal ou preparação a base de plantas que possam prevenir, tratar ou curar os sintomas da COVID-19. A Organização Mundial da Saúde, as sociedades científicas da área da saúde e as principais autoridades médicas do mundo reconhecem que não há, por hora, nenhuma substância, vacina, planta ou qualquer outro recurso capaz de curar ou prevenir esta doença. Leia a nota na íntegra clicando aqui.

Para saber mais, acesse as referencias citadas nesse texto:

  1. Green Tea Consumption Is Inversely Associated with the Incidence of Influenza Infection among Schoolchildren in a Tea Plantation Area of Japan.
  2. Gargling with tea catechin extracts for the prevention of influenza infection in elderly nursing home residents: A prospective clinical study.
  3. Green tea catechins adsorbed on the murine pharyngeal mucosa reduce influenza A virus infection.

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