Por Ana Carolina Staub de Melo – Grupo de Física Experimental, IFSC

Fonte: Blog de notícias do RAIAR
…hoje vamos conversar sobre o realismo científico! Para iniciar esse tema, vamos pensar em uma metáfora. Uma vida de certezas absolutas, verdades eternas é um ‘sonho’ para alguns… viver em um terreno ‘firme’ traz segurança, confiança e para muitos um coração tranquilo! Ah…, mas e o encanto das incertezas? O fascínio das aventuras destemidas! Contudo…pode ser um risco viver constantemente em um terreno arenoso, em um terreno de dúvida! Bom, talvez você esteja confuso com a metáfora e o tema que será abordado: o realismo científico! Então vamos retomar a pergunta que escolhi para ser o título dessa nossa conversa: o mapa é o território? Vocês já pensaram que um mapa cartográfico é um modelo gráfico em uma escala reduzida das extensões territoriais reais, ou seja, um mapa cartográfico é um modelo idealizado da realidade. Então o mapa não é o território? Não!! Mas isso NÃO quer dizer que o mapa é uma criação insana, maluca, ou falando mais suavemente, “irracional” de uma mente muito criativa. Podemos dizer que o mapa é um modelo parcial (imperfeito) da realidade! E quando pensamos na ciência? As teorias científicas são, de fato, uma cópia fiel da realidade? Um modelo parcial da realidade? Ou uma interpretação às avessas da realidade?!
Essas perguntas não são simples de responder, como aborda o pesquisador espanhol Sergio Urueña Lòpez em um artigo recente “Los problemas de la inducción pesimista. Verdad y certeza en el debate entre el realismo y el anti-realismo”. Duas concepções opostas rivalizam os debates sobre o “alcance” das teorias cientificas: o realismo e o anti-realismo! Na essência de cada uma dessas duas ideias está o conceito de verdade. Para o realismo científico, em sua versão mais ingênua, as teorias científicas são um retrato perfeito da realidade. É como se o olhar do cientista, neutro e objetivo, desvendasse todos os disfarces e ‘dissimulações’ da natureza e a visse descoberta, tal e qual ela é! Logo as teorias científicas seriam a verdade absoluta! Para a versão mais cética do anti-realismo a verdade não é possível, pois é impossível ocultar ou negar o sujeito que interpreta os fatos! Logo, a realidade é pura interpretação! E agora retornamos à nossa metáfora: as certezas eternas ou as incertezas constantes? Uma escolha angustiante! Ainda bem que os caminhos podem ter doses equilibradas de certezas e incertezas! O que quero dizer é que nesse confronto realismo x anti-realismo existem versões mais “equilibradas” para, quem sabe, adotarmos…e apresento, como no artigo de referência, o realismo crítico! Para o realismo crítico, os modelos científicos são representações da realidade, são parciais, mas que caminham no sentido de objetivação do real, da natureza. As teorias científicas não são a realidade em si, mas são aproximações da realidade! E como podemos saber se realmente o modelo científico se aproxima do comportamento real da natureza?
Vamos exemplificar com ciência o realismo científico!
Quem nunca ouviu falar no cometa Halley? É um cometa periódico que pode ser visto a olho nu aqui da Terra a cada 75-76 anos, isso significa que é perfeitamente possível que uma pessoa admire sua passagem nos céus até duas vezes! Sua última aparição foi em 1986 e a próxima está prevista para 2061. Há registros históricos do cometa Halley por astrônomos desde 240 a.C! Contudo, não se imaginou que o cometa que periodicamente surgia nos céus era, de fato, o mesmo objeto. Foi Edmond Halley (1656-1742), astrônomo e matemático inglês, que em 1705 publicou em sua obra Synopsis of the Astronomy of Comets suas descobertas científicas sobre a órbita e o tempo de periodicidade do cometa hoje conhecido como Cometa Halley, em sua homenagem. Esse episódio científico é um exemplo do realismo científico porque Halley baseia sua ideia de que o cometa é periódico na Teoria da Gravitação Universal! Como assim? …. seu pensamento foi o seguinte: se a mecânica de Newton for “verdadeira”, como acreditava Halley, o cometa Halley orbita o Sol e sofre, portanto, perturbações gravitacionais dos planetas, que também orbitam o Sol. À luz do referencial teórico newtoniano, estimou, mas grosseiramente, as possíveis perturbações gravitacionais sobre o cometa e previu seu ressurgimento nos céus em 1958, contudo, sua aparição se concretizou no ano seguinte. Mas Halley faleceu antes de suas ideias se mostrarem verdadeiras… Astrônomos refizeram os cálculos das perturbações gravitacionais e confirmaram que Halley estava certo sobre o cometa e, esse fato astronômico fortalecia também a Mecânica de Newton! Não vamos nos esquecer de que essas estimativas de Halley e dos astrônomos que ajustaram seus dados também estavam baseadas na ideia das órbitas elípticas da Mecânica Celeste de Johannes Kepler (1571-1630).
Podemos, com esse exemplo, significar a defesa do realismo científico! Será uma coincidência cósmica, ou melhor, um milagre divino a “visita” do cometa Halley na “esfera celeste” visível à Terra poder ser estimada com base na mecânica newtoniana e na mecânica celeste de Kepler? Esse fato não caracteriza um exemplo científico da verdade na ciência?! O realismo científico em sua versão crítica acredita que os modelos na ciência são retratos parciais da realidade. Mas como vemos o quanto esses retratos se espelham, de fato, na realidade? O exemplo do cometa Halley nos mostra um pouco da dinâmica de como as teorias científicas se legitimam e se tornam verdadeiras à medida que suas previsões se concretizam. Assim, a ciência busca as verdades que mais sintonizam com a realidade. O mapa não é o território…, mas… tem muito do território no mapa!
Para saber mais, acesse o artigo científico original abaixo: