Regeneração de membros: estamos mais próximos da realidade?

Por: Giordano W. Calloni                                                                                                                    Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

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Nas famosas histórias em quadrinhos de um dos personagens mais adorados do Universo Marvel, o Homem-Aranha, temos a presença de um vilão que, com certeza, é um dos mais fascinantes do mundo dos gibis. Trata-se do Dr. Curt Connors, um médico cirurgião reservista que foi enviado para atuar na Guerra do Vietnã e acabou por perder seu braço direito. Após este trágico acidente, o Dr. Connors passou a pesquisar os répteis, ansiando desesperadamente desenvolver um soro que promovesse a regeneração de seu membro perdido, assim como acontece quando uma lagartixa perde a sua cauda. Mergulhado em suas pesquisas, o cientista conseguiu regenerar o membro amputado de um coelho utilizando um soro especial, obtido a partir dos répteis. Entretanto, ao testar este soro em si mesmo, acabou por se transformar em um mostro reptiliano, conhecido pelo vilão: O Lagarto.

O preço por ter seu braço de volta custou caro ao Dr. Connors. O personagem Lagarto foi criado no ano de 1963, obviamente seu criador, o mestre dos quadrinhos Stan Lee, tratava-se (trata-se, pois ainda está vivo e muito produtivo) de um homem muito curioso cientificamente. Entre as décadas de 1950 e 1960 (*ver referências abaixo) foram feitos os primeiros registros científicos de espécies de lagartos com a capacidade de regenerar membros e, obviamente, Stan Lee estava acompanhando estas descobertas científicas avidamente e transpondo-as para a cultura pop da época. O sonho do Dr. Connors e de milhares de pessoas que perderam seus membros pode estar mais próximo de ser realizado, a partir de novas descobertas feitas em 2015 pelo grupo do pesquisador Harald Ott do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, Estados Unidos.

Para produzir o que vem sendo chamado de biomembro (tradução literal do inglês biolimb), os cientistas empregaram a já conhecida técnica chamada descelularização-recelularização. Esta técnica consiste em tratar com detergentes especiais o órgão inteiro de um animal de experimentação previamente sacrificado até remover todas as suas células. O que resta deste processo de “descelularização” é justamente um arcabouço no qual as células estavam inseridas e que preenche inclusive o espaço entre elas. Este arcabouço é chamado cientificamente de Matriz Extracelular, e inclui, algumas proteínas que certamente nossos leitores já ouviram falar, o colágeno da nossa pele, por exemplo. Após retiradas todas as células do tecido do doador, o arcabouço de matriz extracelular pode ser repovoado com células retiradas do próprio paciente que perdeu ou teve a falência de algum órgão. Estas células deverão ser capazes de formar todos os diversos tipos celulares que formam o órgão em questão. Pensando no futuro emprego na engenharia de tecidos humanos, a grande vantagem desta técnica reside no fato de que as células do doador são retiradas totalmente do tecido restando apenas o arcabouço e desta forma  apenas as células do próprio paciente seriam empregadas na terapia. Este procedimento evitaria o processo de rejeição imunológica que normalmente impede ou dificulta o transplante de órgãos. Pois bem, voltemos, agora ao processo de produção do nosso biomembro.  O que o Dr. Ott e seus colegas fizeram foi justamente descelularizar um membro de um camundongo e colocá-lo em uma engenhoca chamada de bioreator, recriando inicialmente um sistema sanguíneo artificial para promover a passagem de nutrientes, oxigênio e estímulos elétricos para o membro. Os pesquisadores então injetaram uma mistura de células provenientes de um outro camundongo, incluindo células que dão origem ao tecido muscular, os chamados mioblastos. As células cresceram sobre o arcabouço e ocuparam os lugares em cavidades que normalmente são aquelas em que as células musculares se encontram em um membro. Entre duas e três semanas os vasos sanguíneos e os músculos foram reconstruídos e por fim, este membro foi enxertado pelos pesquisadores com pedaços de pele, o que permitiu recobrir o membro. Os músculos eram inclusive funcionais, pois usando estímulos elétricos as patas dos camundongos flexionavam ou estendiam-se. Por fim, o grupo de pesquisadores ligou os biomembros à animais anestesiados saudáveis e verificou que o sangue proveniente dos ratos saudáveis circulava no biomembro.

O grupo, entretanto, não verificou se ocorria movimento muscular ou rejeição do membro transplantado. Apesar destes resultados animadores, os investigadores não tentaram ainda reconstruir a parte óssea, cartilaginosa e sobretudo a parte neural destes membros. Este é um desafio enorme que ainda precisa ser superado, mas os dados desta pesquisa são encorajadores e acenam para que, talvez, em um futuro nem tão distante assim, o sonho para regeneração de membros do Dr. Connors, finalmente saia da ficção e torne-se uma realidade. Como podemos ver, talvez a esperança não esteja necessariamente em um soro mágico, mas na arquitetura da matriz extracelular que envolve e dá sustentação às nossas células.

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3 comentários sobre “Regeneração de membros: estamos mais próximos da realidade?

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