Por Kelmer Martins da Cunha & Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, Dpto. de Botânica, UFSC

E aí caro leitor, você sabia que existem espécies de fungos que podem deixar de existir nas próximas décadas?
Pois é, hoje iremos falar sobre como os fungos também estão ameaçados e que as ameaças são praticamente as mesmas que colocam em risco os animais e as plantas.
A diferença é que a conservação de fungos ainda é muito recente e esses números sobre a funga (diversidade de fungos) ameaçada são minúsculos comparados com o que se conhece sobre a fauna e a flora. Na Lista Vermelha da International Union for Nature Conservation (União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN) já foram avaliadas 80% das espécies de animais e 14% de plantas já catalogadas pela ciência. Ou seja, fica claro que os animais receberam mais atenção do que as plantas, mas o caso fica realmente desproporcional quando colocamos os fungos nesta comparação. As 597 espécies de fungos avaliadas e publicadas na Lista Vermelha da IUCN representam menos de meio por cento (0,4%) das 150 mil espécies de fungos já conhecidas pela ciência.
Recentemente, foi publicado um artigo (Mueller et al. 2022) na renomada revista Diversity, com um panorama sobre quais grupos de fungos e liquens já foram avaliados e como as espécies classificam-se no sistema da lista vermelha global. Os autores, que são especialistas de vários lugares do mundo, inclusive do grupo de pesquisa MIND.Funga do MICOLAB/UFSC (https://mindfunga.ufsc.br/), procuraram responder às perguntas:
- Como as espécies avaliadas se distribuem nas categorias de ameaça?
- Quais são os grupos de fungos mais avaliados e mais ameaçados?
- Quais habitats e países estão mais bem representados nas avaliações?
- Quais são as ameaças mais citadas nas avaliações?
Primeiro, embora os esforços para reconhecimento dos fungos em uma lista vermelha global tenham começado em 2003, somente a partir de 2020 é que a grande maioria das espécies entrou no processo de avaliação e publicação da IUCN.

Das 597 espécies avaliadas até então, quase 50% estão enquadradas em uma das três categorias de ameaça, com 32 espécies Criticamente em Perigo, 101 Em Perigo e 151 na categoria Vulnerável. Se considerarmos a categoria Quase Ameaçada, que conta com 61 espécies, o número de espécies com algum grau de ameaça de extinção sobe para 57%. O restante das espécies foi enquadrado em Pouco Preocupante, ou seja, não corre ameaça de extinção, ou em Dados Deficientes, onde não há a possibilidade de avaliar o grau de ameaça da espécie por conta da falta de dados. A maioria das espécies avaliadas forma cogumelos, o que reflete o fato de que 46% das espécies avaliadas são ectomicorrízicas (fungos que beneficiam as plantas através de relações com as raízes). As florestas são o habitat para a esmagadora maioria de espécies, contando com uma proporção de 72,9% das espécies avaliadas, seguidas dos campos, com 8,2%. Em termos de regiões com maior número de espécies avaliadas, o Neártico (que inclui países como os Estados Unidos e Canadá) conta com 273 espécies, seguido do Paleártico (Europa e parte da Ásia) com 184 espécies e a região Neotropical (América do Sul e Central), com 170 espécies.
A principal ameaça é a perda de habitat dos fungos, tanto em área quanto em qualidade, ou seja, o que mais vem impactando os fungos é a degradação dos seus ambientes naturais e isso é causado principalmente pelo uso da terra, na urbanização e agropecuária desenfreada. As mudanças do clima, a introdução de espécies exóticas, poluição e fogo também são ameaças primárias. Assim, o artigo traça o panorama das ameaças com uma discussão importante sobre como os estudos sobre a conservação das espécies devem continuar.

Por fim, já é conhecido que os fungos são organismos que desempenham diversos papéis ecológicos em todos os ambientes, sejam eles naturais ou não. Os fungos têm uma incrível capacidade de formar relações com as árvores, criando verdadeiras redes de comunicação, que funcionam basicamente como a internet das florestas. Sabemos que são extremamente importantes para a manutenção dos ecossistemas terrestres, incluindo aqueles que nos fornecem diversos serviços essenciais, como as montanhas. São tão diversos e apresentam tantas espécies com potenciais que elas podem estar envolvidas até na revolução do tratamento para doenças psiquiátricas. Representam alimento, remédios, controle de temperatura e de ciclos naturais do nosso planeta. Ou seja, como poderemos viver sem essas espécies? Não há vida na terra sem os fungos, não há como conservar o lobo-guará ou a araucária sem conservar os fungos que mantêm o equilíbrio do nosso planeta.
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Como já disse o Pequeno Príncipe: o essencial é invisível aos olhos. Matamos até o que desconhecemos.