Por Patrícia Shigunov – Instituto Carlos Chagas – FIOCRUZ
A ideia de ter urina com um cheiro adocicado, parecido com xarope, pode soar estranha, mas essa condição está ligada a problemas graves de saúde causados por alteração genética rara chamada “doença da urina com cheiro de xarope de bordo” (Maple Syrup Urine Disease – MSUD).

Embora o nome da doença descreva um dos sintomas, na verdade, ela é causada por um problema no funcionamento das enzimas dentro das nossas células. Essas enzimas são responsáveis por processar certos aminoácidos e substâncias chamadas 2-cetoácidos.
Como os aminoácidos não podem ser degradados totalmente, eles se acumulam na urina junto com seus subprodutos (alfa-cetoácidos), resultando no cheiro característico. No entanto, o aspecto mais preocupante dessa condição é o acúmulo dessas substâncias no cérebro, o que pode causar atrasos no desenvolvimento e deficiência intelectual, podendo até levar à morte no primeiro mês de vida se não for tratada.
O tratamento para essa doença envolve uma restrição rigorosa de proteínas ao longo da vida, combinada com a ingestão de aminoácidos seguros e não-tóxicos. Apesar disso, essa abordagem afeta a qualidade de vida dos pacientes e não é completamente eficaz para evitar crises agudas, que podem levar a complicações em longo prazo e risco de vida. Felizmente, os cientistas descobriram que é possível reverter essa doença por meio de terapia gênica usando um tipo de vírus chamado adeno-associado modificado.
Na Universidade de Paris Cité, pesquisadores desenvolveram um modelo de camundongo que imita os sintomas dessa doença, levando ao acúmulo de aminoácidos já na primeira semana de vida dos animais. Eles utilizaram vetores de vírus adeno-associado, que são ferramentas eficazes para transferir genes para o fígado e outros órgãos. A estratégia consistiu em inserir o gene humano chamado “Subunidade E1 da cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada” (Branched Chain Keto acid DeHydrogenase E1 subunit Beta – BCKDHB).
O vírus contendo esse gene humano foi injetado na veia dos camundongos logo após o nascimento. Enquanto os camundongos sem esse gene (“knockout”) não sobreviviam além do quinto dia de vida, os camundongos tratados com terapia gênica sobreviveram por mais de 6 meses.

Curiosamente, um ano após a injeção viral, o vetor viral e a proteína foram encontrados no fígado e no coração dos camundongos. Além disso, os níveis de aminoácidos nos animais tratados permaneceram mais próximos dos níveis de animais saudáveis. Esses resultados demonstram que a terapia gênica dos pesquisadores franceses conseguiu restaurar o metabolismo dos aminoácidos em longo prazo nos camundongos afetados pela doença.
Ainda não sabemos se a terapia terá um efeito duradouro em seres humanos, como observado nos estudos com camundongos. Além disso, a presença do vetor viral no coração pode ter efeitos que ainda não conseguimos identificar em camundongos. Apesar das incertezas, estou animada com os próximos passos da exploração científica no campo da genética. Se você deseja saber mais sobre doenças raras, recomendo visitar o portal sobre doenças raras e medicamentos órfãos: https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php.
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