Desvendando o elo: irisina, exercício e o desafio contra a demência

Por Heiliane de Brito Fontana – Departamento de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

À medida que envelhecemos, nosso cérebro também passa por esse processo, e isso pode resultar em um declínio cognitivo. A demência é um desafio global para a saúde no século XXI, principalmente entre pessoas com mais de 65 anos. Seu impacto tem sido impulsionado nas últimas décadas, afinal – ainda bem – a ciência tem nos ajudado a reduzir mortes prematuras por doenças tratáveis, aumentando a longevidade.

Embora o envelhecimento do nosso cérebro seja um fato, a Comissão Lancet sobre Prevenção, Intervenção e Cuidados com a Demência alerta: “a demência de forma alguma é uma consequência inevitável de atingir a idade de aposentadoria, ou mesmo de entrar na nona década de vida”. Existem fatores que podem ajudar a modificar o declínio cognitivo, e a atividade física é um dos mais promissores e mais suportados por evidências. 

Estudos prospectivos, acompanhando milhares de indivíduos sem demência por longos períodos, revelaram que a atividade física possui um efeito protetor significativo contra o declínio cognitivo. Especificamente, exercícios de alta intensidade mostraram a maior eficácia na preservação da cognição. Além disso, o exercício reduz substancialmente o risco de desenvolver a doença de Alzheimer, chegando a uma diminuição de quase 50%. 

O giro dentado é uma parte do hipocampo. O hipocampo localiza-se no cérebro e desempenha papel crucial na consolidação de memória de curto para longo prazo, no aprendizado espacial e na navegação cognitiva.

O efeito protetor do exercício na cognição é bastante evidente. Destaque tem sido dado à capacidade do exercício de reduzir a neuroinflamação e ao seu efeito na neurogênese hipocampal e na plasticidade sináptica no giro denteado. Neurogênese se refere a formação de novos neurônios e plasticidade sináptica se refere a habilidade do nosso cérebro de adaptar a comunicação (sinapses) entre os neurônios frente a estímulos. 

Mas quais são os mecanismos fisiológicos que intermediam esse efeito neuroprotetor do exercício?  Ao que parece, há uma miocina que é regulada pelo exercício e consegue atravessar a barreira hematoencefálica, sendo determinante nessa relação entre o exercício e a cognição: a irisina. 

Cientistas descobriram que a irisina parece ser responsável (ou ao menos “suficiente”) pelos efeitos benéficos do exercício na cognição. Os autores demonstraram que quando um gene relacionado à produção de irisina é removido geneticamente em camundongos (conhecidos como F5KO), os animais apresentam dificuldades com suas habilidades de pensar, aprender e lembrar, especialmente quando envelhecem. Além disso, os efeitos positivos do exercício na cognição ficam dramaticamente reduzidos nesses animais e os neurônios “recém-nascidos” no hipocampo após exposição ao exercício apresentam alterações morfológicas e funcionais.

Resultados interessantes surgiram quando os pesquisadores injetaram irisina diretamente no giro denteado, recuperando a capacidade cognitiva desses camundongos. Os autores ainda deram um passo adicional importante e verificaram que o aumento de irisina periférica, fora do cérebro, recuperou o déficit cognitivo observado em dois modelos experimentais da doença de Alzheimer em camundongos.

Os resultados positivos do estudo são promissores para o tratamento da doença de Alzheimer, principalmente pelo fato de o tratamento com irisina ter sido eficaz mesmo após o desenvolvimento substancial da doença. 

É essencial ressaltar que a prevenção do declínio cognitivo com o envelhecimento não é determinada por um único fator. É um processo multifatorial e existe pouca evidência experimental de que qualquer atividade isolada consiga proteger contra a demência. A recomendação atual é: mantenha-se cognitiva, física e socialmente ativo a partir da meia-idade. Pessoas fisicamente ativas, aquelas que citamos estar protegidas contra a demência quando comparadas a não-ativas, provavelmente agregam outras características que contribuem para essa proteção. O bem-estar de maneira geral parece ser o grande objetivo nos cuidados com a demência, e o exercício, um importante componente! Encontre uma atividade física que você goste e movimente-se – a irisina fará sua parte.

Para saber mais:

  1. Exercise hormone irisin is a critical regulator of cognitive function.
  2. Effectiveness of exercise interventions to improve long-term outcomes in people living with mild cognitive impairment: a systematic review and meta-analysis.
  3. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission.
  4. Dementia prevention, intervention, and care.

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