Times de espermatozoides

Por Virgínia Meneghini Lazzari – Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Figura 1 – Ilustração da competição pela fertilização

Caro leitor, você certamente já ouviu falar sobre o espermatozoide “vencedor” e sobre como ele consegue sozinho ser mais capaz que os demais espermatozoides, chegar até o gameta feminino e fazer a fecundação, mas talvez o que você não saiba é que esse espermatozoide pode ter sido ajudado por um time de companheiros de jornada para chegar até lá. Isso mesmo, cientistas descobriram que espermatozoides humanos nadam mais rápido quando estão em times!

A literatura sobre o tema já havia demonstrado que os espermatozoides humanos podiam nadar lado a lado, sincronizando suas caudas de forma hidrodinâmica, mas a natação cooperativa em que os espermatozoides se ligam uns aos outros fisicamente pela cabeça havia sido refutada até então. A natação cooperativa requer que o espermatozoide seja fisicamente anexado, seguido de migração como um grupo com flagelos não ligados. A fixação é impulsionada por componentes de membrana, e não pela hidrodinâmica do meio migratório. Esse tipo de natação já havia sido relatado em outras espécies animais, mas nunca em humanos.

O trabalho de Xiao e colaboradores, publicado em 2023, relata que os espermatozoides humanos podem sim cooperar. Para comprovar isso, os cientistas criaram um meio com contrastes de viscosidade: inicialmente os espermatozoides foram colocados em um meio menos viscoso, semelhante ao plasma seminal e precisavam nadar deste meio para um meio mais viscoso que possuía contrastes de viscosidade (intercalava partes mais viscosas e partes menos viscosas), semelhante à viscosidade encontrada no sistema reprodutor feminino. O que foi possível visualizar e registrar em vídeos foi que os espermatozoides nadam individualmente em meios com viscosidade menor, mas quando as coisas ficam mais difíceis… eles se unem para atravessar os meios viscosos! Estes grupos de espermatozoides se beneficiam do aumento da velocidade de natação, que excede a do espermatozoide individual. Quando a viscosidade diminui, eles acabam se separando e seguem seu caminho individualmente.

Figura 2 – União dos espermatozóides ao atravessar um meio mais viscoso. A linha pontilhada em amarelo define o ponto de mudança de viscosidade (Low viscosity: Baixa viscosidade; High viscosity: alta viscosidade). O sentido da migração segue para o meio de maior viscosidade, ocasionando na união entre os espermatozóides

Durante o trânsito pelo sistema reprodutor feminino, os espermatozoides passam por um processo chamado de capacitação. Esse processo já é bem conhecido na literatura científica e é capaz de alterar a bioquímica da membrana plasmática do espermatozoide e torná-lo mais rápido e capacitado para fecundar o ovócito. Antes de acontecer a capacitação, os espermatozoides carregam na membrana algumas moléculas, que são importantes para manter a estabilidade e sobrevivência do espermatozoide durante o trânsito pelo sistema reprodutor feminino. Ao longo do processo de capacitação, essas moléculas vão sendo “retiradas” pelo caminho e o espermatozoide vai ficando mais rápido. O trabalho publicado sobre a cooperação espermática mostra que apenas espermatozoides que ainda não perderam suas moléculas no processo de capacitação conseguem formar grupos. Uma vez que a capacitação espermática ocorre, os espermatozoides não conseguem mais se unir. Além disso, o trabalho também relata que somente os espermatozoides com o DNA adequado conseguem se unir, e aqueles espermatozoides com o DNA fragmentado tendem a nadar sozinhos.

Os cientistas também pesquisaram se existe uma preferência de ligação entre espermatozoides de uma mesma pessoa em relação aos espermatozoides de pessoas diferentes. Para testar isso, foram colocados espermatozoides de dois doadores diferentes no mesmo meio com as variações de viscosidade, sendo que uma das amostras foi corada e a outra não. Os resultados revelaram que os espermatozoides da mesma pessoa têm uma alta tendência a cooperar e formar grupos, com tais grupos exibindo maior velocidade de natação do que quando o grupo era formado por espermatozoides misturados das duas amostras. Grupos que consistem apenas em espermatozoides do mesmo doador exibiram uma velocidade média de natação que foi maior em 24% em relação aos grupos que consistem em grupos de pessoas diferentes. Quando foram comparados aos espermatozoides que nadavam sozinhos, a velocidade média de natação do grupo com espermatozoides do mesmo doador foi maior em 10%, enquanto o grupo misto foi inferior em 11%. É surpreendente que o parentesco seja tão influente na velocidade de natação – espermatozoides relacionados se beneficiaram da natação em grupo, enquanto espermatozoides não relacionados foram retardados por seu envolvimento em um grupo. 

Assim, com esse novo trabalho, a temática da fertilização humana agora pode incluir a abordagem cooperativa dos espermatozoides. No início da jornada de fertilização e durante os períodos não ovulatórios (em que o muco do colo do útero está mais viscoso), espermatozoides antes do processo de capacitação e com alta integridade de DNA envolvem-se em grupos que permitem migração mais veloz através das secreções de alta viscosidade. Ao chegar ao oviduto e no início da ovulação (caracterizado por aumento de fatores promotores de capacitação e diminuição da viscosidade da secreção), os espermatozoides sofrem capacitação, cessam a cooperação e nadam individualmente em competição através de um meio de baixa viscosidade para interagir com o ovócito. Aí sim, que vença o melhor!

Para saber mais:

Xiao, S., Riordon, J., Lagunov, A. et al. Human sperm cooperate to transit highly viscous regions on the competitive pathway to fertilization. Commun Biol 6, 495 (2023).

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