Por Ricardo Castilho Garcez

Um grupo de cientistas japoneses descobriu que praticamente todas as células do nosso corpo poderiam ser reprogramadas para tornarem-se células tronco! O leitor mais atento vai se perguntar, mas isso já não foi feito? Não foi por isso que os pesquisadores Shinya Yamanaka e John Gurdon ganharam o prêmio Nobel em 2012? A resposta é sim! No entanto, a grande novidade desse novo trabalho é o método extremamente simples e eficiente para transformar células adultas diferenciadas em células tronco. Esses resultados foram publicados em janeiro desse ano na revista Nature. O novo método para obter células tronco, a partir de tecidos adultos, é tão bom que muitos pesquisadores ainda não estão convencidos que isso seja possível.

Seria bom demais para ser verdade???

Vamos ver como eles chegaram a esses resultados: Em entrevista à revista Nature, Haruko Obokata, principal autora do referido trabalho, declarou que tudo começou há alguns anos, quando vários pesquisadores começaram a demonstrar que praticamente todos os tecidos do nosso corpo têm, em pequenas quantidades, reservatórios de células tronco. Essas células seriam utilizadas no reparo desse tecido após uma lesão, por exemplo. Com dificuldades para entender a lógica desse processo, um tanto custoso para o organismo, o grupo elaborou uma hipótese alternativa: e se as células tronco presentes nos tecidos adultos na verdade não estivessem lá, se apenas perante uma lesão algumas células adultas se convertessem em células tronco, acionando assim o mecanismo de reparo? Totalmente desacreditados pelos colegas, o grupo começou uma longa bateria de experimentos científicos para verificar se sua hipótese seria, ou não verdadeira. De maneira bastante elegante, o grupo demonstrou que células adultas mantidas 30 minutos em uma solução levemente ácida (pH 5,7), após alguns dias em cultivo, transformam-se em células tronco. Fácil assim!!! Para ficar ainda melhor, eles obtiveram um rendimento de 30%, muito maior que o complicado método descoberto por Shinya Yamanaka, que apresenta um rendimento de apenas 1%.

Revolucionário??? Talvez não!

O trabalho de Obokata e colaboradores foi publicado há pouco menos de dois meses, mas já são numerosos os cientistas que se manifestaram em desacordo às suas descobertas. A grande maioria desses cientistas não acredita nessa nova metodologia para obter células tronco. Esse desacordo vem, simplesmente, porque a maioria dos pesquisadores não conseguiu repetir os resultados apresentados no trabalho de Obokata. Se outros pesquisadores conseguem reproduzir os resultados de um trabalho científico, isso é o melhor atestado de que esse trabalho não é uma fraude, que os resultados realmente têm valor científico. O legal disso tudo é que, pela internet, qualquer pessoa pode acompanhar as tentativas dos cientistas de repetir os experimentos realizados por diversas equipes de cientistas (ver site http://www.ipscell.com/stap-new-data/). Até o momento, as notícias não são boas, a grande maioria dos pesquisadores não está conseguindo obter os mesmo resultados publicados no artigo de Obokata e colaboradores. Já existe, inclusive, rumores sobre uma possível retratação pública, por parte do grupo que realizou o trabalho, na revista Nature (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,estudo-sobre-celulas-tronco-deve-ser-anulado,1141089,0.htm)

Isso tudo seria um indicativo de fraude científica??? Ainda é cedo para dizermos, mas fica o alerta. O conhecimento científico é contínuo e deve ser verificado, reverificado e confirmado o tempo todo. O fato de algo estar publicado, mesmo que numa das maiores revistas científicas do mundo, não é suficiente para que se tornar um dado científico confiável. A aceitação das descobertas pela comunidade científica é o que temos de mais próximo de um fato científico confiável. Infelizmente, alguns vezes, pesquisadores acabam publicando resultados que não foram devidamente confirmados, simplesmente para satisfazer a pressão sofrida por agências financiadoras, pelas Universidades e Institutos de Pesquisa nos quais trabalham. Atitudes lamentáveis que cedo ou tarde acabam sendo reveladas.

Artigo original foi publicado na revista Nature, em janeiro de 2014 – http://www.nature.com/nature/journal/v505/n7485/full/nature12968.html

ATUALIZAÇÃO: Em julho de 2014 esse artigo foi retirado pela revista Nature! Ver comentário da própria revista, clicando aqui.