Cerveja evita formação de compostos cancerígenos no churrasco

Por Renata Kiatkoski Kaminski                                                                                           Pesquisadora do Dpto. de Química – UFS

Para ouvir o áudio do texto com a autora, clique aqui.

Renata - imagemA grande paixão do brasileiro pelo churrasco é partilhada com diversos outros povos. Além de uma ótima comida, ele é um evento social, onde encontramos amigos, tomamos cerveja e esquecemos dos problemas. Porém, existe uma classe de compostos, os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), que são formados em carnes grelhadas ou defumadas, e que são associados, entre outros problemas, à incidência de câncer do colo-retal.

Os HPAs são compostos (cerca de 100 tipos diferentes) caracterizados por possuírem dois ou mais anéis aromáticos condensados. Normalmente, são formados a partir da queima incompleta de matéria orgânica, por isso podemos dizer que estamos expostos a eles em vários ambientes. São liberados no ar pela queima de combustíveis fósseis e lixo. Um dos HPA mais conhecidos e usados é a naftalina, aquelas bolinhas brancas que as avós tinham costume de colocar nas gavetas para evitar traças, elas deixavam um cheiro horroroso nas roupas.

O acúmulo de HPAs na carne grelhada se deve a três fatores: a fumaça gerada a partir da queima incompleta de madeira, a queima de gordura, proteínas e carboidratos presentes na superfície da carne e, principalmente, aquela gordurinha que goteja na brasa e que libera grande quantidade desses compostos.

Dependendo da fonte emissora, a composição dos HPAs pode ser bastante variável, formando misturas complexas de vários tipos de HPAs em diferentes concentrações. O Comitê Científico de Regulamentação de Comida da União Europeia estabelece que a ocorrência e potencialidade cancerígena está associada a oito desses compostos, sendo que quatro deles são formados em concentrações relevantes (Benzo antraceno, Criseno, Benzofluoranteno e Benzopireno).

Mas calma, se você leitor está pensando em abandonar o churrasco, irá mudar de ideia. Um grupo de cientistas portugueses vem estudando a formação desse HPAs em vários tipos de cozimento de carnes. Eles analisaram o efeito de se marinar a carne antes do cozimento e em vários tipos de marinadas tradicionais como, cerveja, vinho e chá. Constataram que a carne marinada em cerveja, além de apresentar um gosto melhor, apresentou uma redução na formação de HPAs (artigo publicado em 2014). Foram utilizados três tipos de cervejas nos experimentos, cerveja sem álcool, cerveja black (5% de álcool) e cerveja Pilsner (5,2% de álcool) – a cerveja Pilsner (ou Pilsen) é bem comum no Brasil, são exemplos a Brahma, Skol, Antártica, Heineken etc.

Os resultados obtidos foram publicados recentemente no Journal of Agricultural and FoodChemistry. Os pesquisadores também tiveram o cuidado de estudar a capacidade antioxidante das cervejas. Em elevadas temperaturas, as moléculas orgânicas podem ser fragmentadas e gerar espécies radicais (radicais livres), que são altamente reativas, dando origem a espécies maiores através da condensação. Embora o mecanismo exato de formação dos HPAs não seja totalmente compreendido, existe uma grande indicação de que passa por reações envolvendo produção de radicais livres e, por isso, é também importante a determinação da capacidade antioxidantes das cervejas. Foi observado que a cerveja Black apresenta uma maior atividade antioxidante, porém essa atividade é perdida mais rapidamente, em relação as outras cervejas. Isso ocorre devido à interação destes antioxidantes com espécies oxidativas presentes na superfície da carne, aumentando, possivelmente, a resistência da carne à formação dos HPAs. A cerveja Black apresentou também a maior taxa de inibição na formação dos oito HPAs mais nocivos (redução superior a 50%). As marinadas com cebola e alho também apresentam uma redução da formação de HPAs, ligada aos compostos polifenólicos. Marinadas melhoram o sabor e a maciez da carne, agora sabemos que também têm um efeito na prevenção de câncer. Não temos a necessidade de abandonar nosso tradicional churrasco, podemos apenas ter o cuidado de usar nossa, também, querida cerveja para marinar a carne. É importante lembrarmos que o consumo da cerveja pelo churrasqueiro, ou demais convidados do churrasco, não terá nenhum efeito sobre a redução dos HPAs, pois eles se formam na superfície da carne com a queima.

Para acessar o artigo original clique aqui

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s