Por Dr. Marco Augusto Stimamiglio do Instituto Carlos Chagas – Fiocruz
Caros leitores, este é mais um texto da saga dos cientistas que copiam a natureza. Trata-se de uma série que vem descrevendo estratégias para recriar situações e condições naturais das células e tecidos dentro de um laboratório de pesquisa. Nesta ocasião, porém, trataremos de uma estratégia de imitação multifatorial que permitirá entender mais profundamente o comportamento celular para descobrir melhores formas de tratar um tipo de câncer extremamente agressivo, os glioblastomas.
Os glioblastomas já foram tema de texto recente deste blog, trata-se da forma mais comum e maligna de câncer cerebral. Os tratamentos atualmente existentes são variados, mas a sobrevida média dos pacientes é de apenas 15 meses.

As dificuldades estão sobretudo baseadas nos mecanismos de resistência que os glioblastomas adquirem ao longo do tratamento terapêutico, resistência esta mediada por fatores presentes no microambiente tumoral. O rastreio para descoberta de novas drogas contra os glioblastomas depende do cultivo das células tumorais em laboratório, modelo que reduz a complexidade existente nos tecidos humanos e carece da miríade de fatores microambientais aos quais estão submetidos os glioblastomas.
Para superar esta limitação, os cientistas usam modelos 3D para estudar os vários tipos de interação celular, mas os modelos mais atuais de glioblastoma se concentram em examinar um elemento do microambiente tumoral por vez. Usando estratégias de engenharia tecidual, cientistas estado-unidenses criaram um modelo de estudo que recria diferentes aspectos do microambiente tumoral dos glioblastomas. O modelo incorporou células de glioblastomas derivadas de pacientes, dois tipos de células gliais do tecido neural humano (astrócitos e micróglia), além de uma força biofísica envolvida no desenvolvimento tumoral chamada fluxo de fluído intersticial. Os cientistas avaliaram seu modelo com base em quatro parâmetros principais do comportamento dos glioblastomas: morte das células tumorais; invasividade tumoral (capacidade de invadir outros tecidos); proliferação; e stemness (termo em inglês que denota a capacidade de uma célula em perpetuar sua linhagem, dar origem a células diferenciadas e interagir com seu ambiente).

Concentrando-se nestes quatro parâmetros, os cientistas investigaram os efeitos de cada elemento do microambiente tumoral sobre as células de glioblastoma dos pacientes, avaliando a comunicação intercelular entre as células tumorais e as células gliais.
Neste estudo os cientistas descobriram que os resultados variavam quando as células dos diferentes pacientes eram avaliadas, mas que a inclusão do fluxo de fluído intersticial em seu modelo aumentou significativamente a proliferação e a stemness das células tumorais. De forma semelhante, a presença dos astrócitos e da micróglia afetou a invasividade e a stemness dos tumores.
Além disso, os cientistas testaram o uso de medicamentos em seu modelo experimental, comparando os resultados com a resposta medicamentosa no modelo padrão com o uso de animais de laboratório, avaliando, portanto, se o sistema projetado poderia prever de alguma forma a sobrevivência dos animais com glioblastoma. O modelo experimental foi capaz de prever a resposta medicamentosa no animal, ao menos em relação à stemness do glioblastoma em resposta ao tratamento medicamentoso de duas linhagens celulares distintas derivadas de pacientes.
A grande importância deste trabalho reside no fato dos cientistas terem conseguido criar um modelo laboratorial que fornece uma abordagem abrangente para avaliar a influência do microambiente tumoral dos glioblastomas e comparar as respostas às drogas numa placa de cultivo com a sobrevivência dos animais de experimentação. Esta abordagem inovadora abre a possibilidade de fazer o que atualmente chamamos terapia personalizada, ou seja, rastrear os medicamentos e doses ideais para tratar cada paciente individualmente. Além disso, o modelo projetado reduz a necessidade do uso de animais na pesquisa e permite implementar a medicina de precisão no tratamento de glioblastomas, superando mecanismos de resistência terapêutica. Estudos desta natureza representam avanços científicos importantes e nos aproximam cada vez mais de protocolos terapêuticos mais simples e efetivos.
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