Por Rita Zilhão – Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa
Com o desenvolvimento econômico, a disseminação das dietas e os modernos estilos de vida ocidentais, a obesidade duplicou entre 1980 e 2015 e tornou-se um problema. Cerca de 60% das mortes globais anuais estão relacionadas com a obesidade na medida em que esta, enquanto distúrbio metabólico crônico, contribui para doenças como as cardiovasculares ateroscleróticas, diabetes tipo 2 e diferentes tipos de cancro (câncer em português brasileiro).
As estratégias de tratamento da obesidade passam pela cirurgia, medicação, exercício físico, dietas variadas e também o jejum. Nesta última categoria, entra o jejum intermitente (IF – intermittent fasting) que se tem revelado eficiente na sua relação com a perda de peso, e em alguns casos até descrito como mais eficaz do que programas de treino físico.

Por outro lado, a remodelação da microbiota intestinal também tem sido uma estratégia para a prevenção da obesidade na medida em que impede ou promove a absorção de nutrientes regulando o metabolismo do hospedeiro. Também se sabe que nos programas de dieta o tipo e o tempo em que se consomem os alimentos modificam o ritmo da microbiota intestinal.
Posto isto, e havendo já dados sobre a eficiência de diferentes estratégias de jejum para perda de peso em pessoas idosas, não existe informação detalhada se estes programas também são benéficos para indivíduos com peso e massa corporal normal, nem quais as alterações da microbiota a nível das espécies e estirpes, nem como é que esta nova microbiota promove a perda de peso.
Assim, num estudo com a duração de três semanas, em que participaram 72 chineses adultos, com pesos que iam do normal ao obeso, estabeleceu-se um programa de jejum intermitente em que se procurou não só responder a estas questões como relacioná-las umas às outras.
Para isso, os participantes adotaram um plano de cinco dias sem jejuar por semana, durante os quais podiam consumir um pó de substituição como sua principal refeição noturna (normal intake). Além disso, fizeram dois dias de jejum intermitente (25% intake), nos quais a ingestão de energia foi limitada a 500-600 calorias, aproximadamente 25% da ingestão normal, e que constou de pós de substituição e barras proteicas (Figura 1).
Figura 1. Diagrama esquemático do estudo. Fonte: Hu et al., 2023.
Sem que tenha havido treinos físicos nem controle de dieta nos dias de não-jejum, cientistas descobriram que após as três semanas de jejum intermitente, todos os participantes perderam uma média de 3,67 kg, e houve um melhoramento global em diversos parâmetros clínicos relacionados com a obesidade, como o índice de massa corporal (IMC) e o decréscimo do índice de aterosclerose (IA), mas também um melhoramento global de parâmetros clínicos mesmo em indivíduos com o IMC normal no início do estudo. Utilizando técnicas de sequenciação de genomas (metagenômica) foi possível detectar, através de amostras fecais, que o jejum intermitente conduziu a alterações na composição da microbiota intestinal. Na realidade, independentemente da microbiota inicial, houve um aumento na abundância relativa de espécies bacterianas Parabacteroides e Bacteroides, especialmente de P. distasonis e B. thetaiotaomicron.
Duas questões se colocam então: 1 – Como foi possibilitado o aumento dessas bactérias em relação às demais? 2 – Que funções potenciais são desempenhadas por essas bactérias que resultam em perda de peso, mas também contribuem para a melhoria geral dos participantes?
Em resposta à primeira questão, coloca-se a possibilidade de o aumento dessas bactérias ser uma consequência da diminuição intermitente de fontes de carbono induzidas pelo jejum intermitente.
A resposta à segunda questão permite estabelecer uma associação entre a nova microbiota do intestino e os melhoramentos observados nos participantes. A análise da diversidade de enzimas, relacionadas com os genes específicos nestas bactérias, revelou um aumento de glicosídeo hidrolases (GHs), glicosiltransferases (GTs) e polissacarídeo liases (PLs), isto é, enzimas ativas sobre carboidratos (CAZymes).
Estas enzimas estão relacionadas com a fermentação de glutamato em ácido gama-aminobutírico (GABA), que reduz as concentrações de glutamato no plasma e produção de succinato. Ambos são metabólitos benéficos que ao serem sintetizados e secretados pelas bactérias contribuem para reduzir a obesidade e melhorar o estado geral do hospedeiro.

Estas observações são corroboradas pelo relato de que as quantidades relativas de Bacteroides spp. e P. distasonis são baixas em doentes com doenças cardiovasculares ateroscleróticas.
Apesar de ainda serem necessários estudos in vitro e in vivo para elucidar a relação entre jejum intermitente, microbiota e metabolismo do hospedeiro, os resultados deste estudo sugerem que as alterações introduzidas pelo jejum intermitente podem contribuir para a perda de peso e melhoramento clínico geral. Por outro lado, ainda que não se saiba se o mesmo acontece em outros programas de jejum intermitente, este estudo forneceu pela primeira vez informações ao nível das espécies e estirpes da microbiota intestinal e a sua potencial função.
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