A Rede Social do Microbioma Intestinal 

Por Heiliane de Brito Fontana – Departamento de Ciências Morfológicas – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 

O microbioma intestinal, conhecido por seu importante papel na saúde humana, continua a revelar novas dimensões em estudos recentes. Este ecossistema microbiano, composto por trilhões de organismos simbióticos, é afetado por dieta, medicamentos, estilo de vida e exposições ambientais. Pesquisas mostram que sua composição é determinante no desenvolvimento humano, fisiologia, imunidade e nutrição, enquanto desequilíbrios estão associados a diversas doenças.

Figura 1 – Família de pequena comunidade hondurenha. Fonte: Sofía Marcía

Um estudo, publicado em 20 de novembro de 2024, avança no entendimento do impacto das interações sociais no microbioma intestinal. Usando mapeamento detalhado das interações sociais e sequenciamento genômico em 18 vilarejos isolados de Honduras, pesquisadores investigaram como as relações sociais influenciam o compartilhamento de cepas microbianas. As aldeias, com populações entre 66 e 432 pessoas, mantêm um estilo de vida tradicional, com dietas locais e baixa exposição a antibióticos.

Os cientistas descobriram que quanto mais íntima a interação social, maior a semelhança nas cepas microbianas compartilhadas. Cônjuges e coabitantes compartilham até 14% das cepas microbianas, enquanto amigos que passam tempo juntos, mas não vivem na mesma casa, compartilham cerca de 10%. Já pessoas da mesma vila, mas sem interação social próxima, compartilham apenas 4%. Além disso, evidências indicam cadeias de transmissão, com amigos de amigos compartilhando mais cepas do que o esperado por acaso.

Entre os participantes reavaliados dois anos depois, os moradores da mesma vila que tinham conexões sociais apresentaram maior coincidência no compartilhamento de cepas em comparação com moradores não conectados. Curiosamente, indivíduos socialmente centrais – que desempenham um papel de destaque na comunidade –  apresentaram microbiomas mais representativos do conjunto, mas menos semelhantes ao microbioma de seus contatos familiares de primeiro grau.

Outro achado relevante é o papel das mães no compartilhamento microbiano. Elas têm taxas significativamente mais altas de compartilhamento de cepas com seus filhos do que os pais, especialmente durante a infância, o que pode ser atribuído à transmissão durante o parto bem como às práticas culturais locais que promovem interações mais próximas entre mães e filhos.

Implicações para a Saúde Humana

O estudo sugere que as redes sociais influenciem significativamente a estrutura do microbioma, superando fatores como riqueza, religião ou educação na previsão de relacionamentos sociais. Essas descobertas adicionam uma camada de complexidade aos estudos na área da saúde, tradicionalmente restritos a fatores individuais ou genéticos no nível do organismo humano e ignorando as interações humanas quanto população. A interação social pode influenciar tanto a diversidade quanto a resiliência do microbioma, características associadas a menor morbi-mortalidade. Por outro lado, condições associadas ao microbioma, como hipertensão e depressão, poderiam eventualmente se propagar através de conexões sociais, impulsionadas pela transmissão microbiana. “Pode ser que grupos de pessoas interconectadas compartilhem fenótipos não apenas devido a genes comuns ou comportamentos transmitidos, mas também devido a microrganismos compartilhados”, afirmam os autores.

Este estudo destaca a necessidade de explorar a interface entre as relações humanas, microbioma e saúde. O impacto positivo de boas conexões sociais na saúde humana é amplamente reconhecido e a composição microbiana oferece um novo e promissor caminho de pesquisa!

Para saber mais:

Beghini, F., Pullman, J., Alexander, M., Shridhar, S. V., Prinster, D., Singh, A., … & Christakis, N. A. (2024). Gut microbiome strain-sharing within isolated village social networks. Nature, 1-9.

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