Por Giordano Wosgrau Calloni
“Dedico este texto a amiga e colega Profa. Margherita Barraco, (uma apaixonada pela Biologia e adoradora dos gatos)”
Todos aqueles que passaram pela experiência de, alguma vez na vida, possuir um gato sabem que é impossível não se apaixonar por estes bichanos. Eu, particularmente, era um inveterado amante dos cães até que fui coagido (digo, convencido) por minha esposa a adotar um felino. Bem, sequer consegui perceber quando meu duro coração tornou-se rendido pelo bichano da foto ao lado, chamado Thomas. Convenhamos, difícil não se render a esta bola fofa de pêlos, que, com sua sutileza e andar elegante, consegue também ser o melhor amigo do Homem quando se dá uma chance a eles. Os gatos sempre tiveram um percurso interessante ligado à própria história humana, considerados divindades em algumas épocas e associados com rituais de bruxaria em outras. Vamos ver neste texto que até hoje estas controvérsias permanecem. A princípio, os gatos estão presentes em mais de 500 milhões de lares. Inicialmente, acreditava-se que os egípcios teriam sido os primeiros a serem cativados por eles. Lembremos que a cerca de 3.000 anos antes de Cristo, os gatos tornaram-se divindades oficiais no Egito sob a forma de uma Deusa chamada de Bastet. Entretanto, pesquisas arqueológicas e genéticas, realizadas nos últimos 10 anos, têm mostrado que convivemos com eles há muito mais tempo do que se supunha. No ano de 2004, foi encontrada uma cova de 9.500 anos contendo o esqueleto de um gato junto a um esqueleto humano. Esta descoberta foi feita em Chipre (uma das ilhas do Mediterrâneo) e acredita-se que o bichano tenha sido levado de barco da costa do Oriente Médio (Israel) até a ilha. Acredita-se também que estes gatos passaram a conviver com os seres humanos atraídos por camundongos. Há cerca de 10.000 anos, estavam surgindo os primeiros depósitos de grãos em Israel e os camundongos adoraram a novidade: comida fácil e em abundância em um local específico. Bem, os camundongos adoraram os grãos e como vocês podem imaginar, nossos felinos carnívoros adoraram encontrar os camundongos em meio aos grãos. Podemos imaginar agora como os seres humanos, mesmo aqueles mais insensíveis ao charme felino, possam ter estimulado o início e a manutenção desta convivência. Finalmente, será que podemos então imaginar um cenário em que nossos felinos seriam bravos e incansáveis lutadores e perseguidores de camundongos, trabalhando arduamente, dia e noite, no combate a estes pequenos destruidores dos primórdios da agricultura humana? Afinal de contas, será que podemos então criar um novo estigma para a personalidade felina, tão batida e encarnada no personagem do gato Garfield, que como todos sabem passa o dia inteiro dormindo e comendo lasanha?
Os cientistas descobriam que talvez nossos felinos não tenham tido tanto trabalho assim em defender nossos primeiros agricultores da ameaça de camundongos famintos. Um estudo recente, publicado na revista Científica Plos One, em setembro de 2013, mostra que um parasita microscópico, chamado de Toxoplasma gondii, causador da chamada toxoplasmose em humanos e outros animais, pode ter facilitado a vida dos nossos bichanos. O estudo demonstrou que camundongos infectados com o parasita perdem o medo inato de gatos. Mais interessante: mesmo após estarem livres do toxoplasma, os camundongos permanecem sem o medo dos gatos, sugerindo que o parasita proporcionou alterações permanentes na estrutura e/ou funcionamento do cérebro dos roedores. Para que entendamos bem: os gatos são uma parte essencial no ciclo de vida do parasita causador da toxoplasmose, pois, é no intestino deles que se reproduz de maneira sexuada. As milhões de células filhas resultantes (oocistos) são então liberadas nas fazes dos gatos e podem contaminar outros animais, entre eles, os seres humanos e os camundongos. Assim, o parasita, alterando o funcionamento do cérebro dos camundongos, torna-os susceptíveis de serem presas fáceis dos gatos (pela perda do medo inato) e, desta forma, o seu ciclo é mantido de maneira eficaz.
Apesar de nós e nossos amados bichanos sermos diretamente afetados pelo parasita, precisamos reconhecer a beleza intrínseca e a sofisticação do mecanismo que a vida utiliza para se perpetuar. Mas, infelizmente, parece não ser desta vez que os gatinhos conseguirão se livrar do estigma de terem a vida mais do que mansa.
Para acessar o artigo original: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24058668