Por Marco Augusto Stimamiglio
Em setembro de 2013 o governo dos Estados Unidos anunciou um investimento de três milhões de dólares para a criação do Centro de Biotecnologia de Células e Órgãos. Com o objetivo de alavancar estudos na área da medicina regenerativa, este centro de pesquisa será dirigido pela Dra. Doris Taylor, cuja alcunha – Dra. Frankenstein –aplicada pela massa popular, em alusão ao romance escrito porMary Shelley (1818, Frankenstein ou o Moderno Prometeu), nos remete perfeitamente aos objetivosde pesquisa propostos pela Dra. Taylor. Em Frankenstein, Mary Shelley relata a história de um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório a partir de diferentes partes de corpos de pessoas mortas, às quais, posteriormente, deu vida. De forma semelhante, a Dra. Taylor e outros cientistas da área propõem o uso de órgãos provenientes de cadáveres humanos como estruturas pré-moldadas para a construção de novos órgãos para transplante. Como isso seria possível? A estratégia é tão simples quanto a ideia de Frankenstein! Consiste em remover todas as células de um determinado órgão e ficar apenas com a estrutura organizada do órgão (órgão acelular), a qual é formada basicamente por um emaranhado de proteínas. Seria como se pudéssemos remover todos os tijolos de um velho edifício, deixando apenas a estrutura de concreto para, posteriormente recolocar tijolos novos. No caso desses órgãos acelulares, as novas células seriam formadas com a utilização de células-tronco, permitindo que o órgão voltasse a funcionar como antes. Entretanto, na prática, este processo é cercado de enormes desafios. Seria necessário para isto obter dezenas de tipos de células, crescendo exatamente nas posições corretas. Ademais, seria indispensável o crescimento simultâneo de redes completas de vasos sanguíneos para levar nutrientes a todas as novas células formadas. Por fim, este novo órgão teria que ser capaz de crescer e funcionar após transplantado, de preferência, pelo resto da vida do paciente.
A própria Dra. Taylor vem trabalhando há algum tempo com órgãos, como pulmões e coração, coletados de humanos recém-mortos. Ela faz o que chamamos de bioengenharia tecidual, retirando as células originais e repovoando estes órgãos com células novas na esperança de trazê-los de volta à vida. Entretanto, até o presente momento, a Dra. Taylor tem relatado em suas publicações científicas apenas resultados preliminares, utilizando órgãos de animais não humanos. Um dos trabalhos mais importantes da Dra. Taylor, neste campo da bioengenharia tecidual, demonstrou ser possível retirar as células originais de coração de roedores e, posteriormente, repovoar com células novas (artigo publicado na revista Nature Medicine em janeiro de 2008). Neste trabalho a equipe da Dra. Taylor demonstra o funcionamento do coração em um biorreator que simula os estímulos fisiológicos tal qual ocorre no animal. Os resultados revelam que após 4 dias do repovoamento do coração com células derivadas do coração de ratos recém nascidos, o “órgão” começa a pulsar e é capaz de gerar força de bombeamento após 8 dias. Entretanto, esta força seria equivalente a apenas 2% da força de bombeamento de um coração adulto. Além disso, o repovoamento foi menos eficiente em algumas áreas do coração, principalmente aquelas mais distantes dos pontos de aplicação das novas células. Ainda assim, apesar dos problemas encontrados pela equipe da Dra. Taylor e outros problemas relatados por cientistas que trabalham na área, é possível que estejamos discutindo um dos grandes avanços para a criação de uma nova terapia no transplante de órgãos. Esse tipo de terapia já é realidade para o transplante de órgãos ocos e mais simples, como a tranqueia, as artérias e o esôfago. De qualquer forma, ainda temos muito trabalho pela frente até podermos considerar o uso de órgãos cadavéricos mais complexos, como o coração, para reabilitação e transplante.
Para ver o artigo original e o vídeo ilustrativo: http://www.nature.com/news/tissue-engineering-how-to-build-a-heart-1.13327#/ref-link-1
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