Gordurinhas, bactérias e malignidades: novos personagens na biologia de tumores

Por Bruno Costa Silva                                                                                                                      Pesquisador no Medical College, Cornell University/Nova Iorque – EUA

Para ouvir o áudio do texto com o autor, clique aqui.

Bruno CSEm um trabalho publicado em julho de 2013 na revista Nature, cientistas japoneses, liderados pela Dra. Naoko Ohtani, descobriram que mudanças na composição da flora bacteriana intestinal, associadas à obesidade, podem aumentar o risco do desenvolvimento de câncer de fígado.

Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a doença fatal com maior crescimento em número de casos (Ocidente e países em desenvolvimento), a obesidade contribui anualmente para a morte de pelo menos 2,8 milhões de pessoas. Além dos efeitos sobre a pressão sanguínea, níveis de açúcar, colesterol e triglicerídeos no sangue, que contribuem para o desenvolvimento de doenças cardíacas e de diabetes tipo 2, diversos tipos de cânceres, como os de mama, próstata, intestino e fígado, têm sido associados à obesidade.

Na oncologia, sabe-se que a formação e crescimento de tumores depende não somente de células cancerígenas, mas também de células saudáveis (ver post “Abaixo à corrupção tumoral”). Essa noção propõe uma expansão de visão “tumoricêntrica”, como dito no jargão da oncologia, para uma visão sistêmica dos tumores. Isso quer dizer, que o desenvolvimento de um tumor não depende apenas da presença de células tumorais, mas de como estas vão interagir com todo o organismo. Sendo assim, o que já era difícil (eliminar e/ou conter o crescimento e disseminação de células tumorais), ficou ainda mais complexo, já que terapias anti-tumorais bem sucedidas, provavelmente, dependerão também da atenção dada às células não tumorais envolvidas nesse processo.

Outra noção interessante, a de que temos em nosso corpo dez vezes mais células bacterianas (a chamada flora bacteriana) do que células humanas (numericamente somos mais bactéria do que humanos!), vem chamando a atenção de alguns oncologistas. Percebeu-se, por exemplo, que camundongos obesos, mais propensos a desenvolverem tumores de fígado, apresentavam mudanças na composição da flora bacteriana intestinal em decorrência da obesidade. Descobriu-se que essas bactérias, presentes em animais obesos, e menos frequentes em animais não-obesos, produzem uma molécula (ácido desoxicólico) que atua no fígado sobre as células estreladas hepáticas.

Sabe-se que em casos de hepatite e cirrose hepática, as células estreladas contribuem para as mudanças estruturais e funcionais ocorridas no órgão doente. Já em tumores de fígado, essas células contribuem para o estabelecimento, desenvolvimento e disseminação destes tumores, ilustrando mais um caso da atuação de células não-tumorais em processos cancerígenos.

Mas voltando às bactérias… Para determinar se o culpado pelo desenvolvimento do tumor de fígado era a obesidade ou as bactérias presentes nos animais obesos, o grupo da Dra. Ohtani tratou um grupo de animais obesos com antibióticos capazes de eliminar as tais bactérias intestinais pró-tumorigênicas. Percebeu-se que os animais obesos tratados com o antibiótico tiveram menor propensão a desenvolver tumores de fígado, quando comparados aos animais obesos não tratados com antibiótico. Apesar de nos animais obesos as bactérias intestinais parecerem as vilãs da história, devemos lembrar que a nossa flora bacteriana normal é essencial para o bom funcionamento de diversas funções fisiológicas.

Este trabalho trouxe para o palco mais um ator (ou bilhares deles) inesperado na tragédia do câncer. Isso certamente expandirá o entendimento e as possibilidades quanto ao tratamento de pacientes oncológicos. Porém, ao saber que a obesidade é fator de risco para tumores, vale maneirar na cervejinha, no churrasquinho regado a muito pão com calabresa (ó que saudade de um churrasquinho brasileiro com pão francês, vinagrete, pudim de leite…) e caprichar nos exercícios físicos em vez de recorrer a antibióticos e terapias ainda pouco eficientes.

Para acessar o artigo original clique aqui.

4 comentários sobre “Gordurinhas, bactérias e malignidades: novos personagens na biologia de tumores

  1. Muito bem explicado Bruno. Quero um dia ter o prazer de ler no blog, explicado por você, o seu próprio trabalho publicado na Natureza. Há muito o que se descobrir no tratamento de pacientes oncológicos.

  2. Pingback: Bactérias do solo podem ser utilizadas na terapia do câncer | Cientistas descobriram que…

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