Por Paula Borges Monteiro Prof. do Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
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Há um grande mistério que cerca a construção de pirâmides e templos egípcios devido aos poucos recursos tecnológicos disponíveis na época. Na pintura apresentada neste post, podemos observar vários egípcios arrastando um trenó, enquanto um deles derrama um líquido sobre a superfície pela qual o trenó será arrastado. Alguns arqueólogos interpretaram o fato do derramamento do líquido como uma espécie de ritual. Seria apenas uma cerimônia? O grupo de cientistas liderado pelo físico Daniel Bonn mostrou, em um trabalho publicado em abril de 2014, no periódico Physical Rewiew Letters, que um modelo físico relativamente simples pode explicar como a água facilitaria o movimento de uma superfície sobre a areia. Dessa maneira, poderíamos mudar a interpretação dada às pinturas antigas e dizer que os egípcios utilizavam os princípios da Física! A pesquisa envolveu pessoas de diferentes países: Holanda, Irã, Índia, Alemanha e França.
Três conceitos da Física são importantes para entendermos a pesquisa do deslizamento sobre a areia: capilaridade, coeficiente de atrito dinâmico e módulo de rigidez.
- A capilaridade é a adesão de moléculas de um líquido a um material. Uma molécula do líquido é atraída por suas moléculas vizinhas e pode também ser atraída por uma molécula externa presente em outro material. Quando a atração entre o líquido e o material é tão forte quanto as forças internas, a superfície do líquido “gruda” na superfície do material.
- O coeficiente de atrito dinâmico indica a dificuldade oferecida por uma superfície a um objeto em movimento sobre ela. Cada conjunto material/superfície possui seu coeficiente de atrito dinâmico e quanto maior ele for, maior a dificuldade do material se movimentar sobre essa superfície. Uma caixa de madeira consegue ir mais longe que uma caixa de borracha, se ambas estiverem deslizando sobre uma mesa de granito. Isso ocorre, pois o coeficiente de atrito dinâmico madeira/granito é menor que o coeficiente de atrito borracha/granito.
- O módulo de rigidez é um parâmetro que relaciona a pressão aplicada paralelamente a um corpo e a deformação sofrida devido a essa pressão. Cada material possui seu módulo de rigidez e quanto maior ele for, maior a pressão necessária para lhe causar uma deformação. É mais fácil deformar um objeto de borracha do que um objeto de madeira, por exemplo. Isso ocorre porque o módulo de rigidez da borracha é menor que o módulo de rigidez da madeira.
O trabalho citado acima, intitulado Atrito dinâmico sobre areia seca e úmida, mostra experimentalmente que o coeficiente de atrito dinâmico entre a areia e outros materiais é reduzido quando certa quantidade de água é adicionada à areia. Podemos imaginar pequenas porções de água se aderindo a diferentes grãos de areia formando o que chamamos de pontes de capilaridade. Estas pontes de capilaridade aumentam o módulo de rigidez do material, diminuindo até pela metade seu coeficiente de atrito dinâmico em relação aos materiais. Em outras palavras, certa quantidade de água faz a areia tornar-se mais resistente à deformação, facilitando o movimento de materiais sobre sua superfície. Por outro lado, aumentando ainda mais a quantidade de água, as pontes de capilaridade são destruídas e o coeficiente de atrito volta a aumentar. No experimento, um trenó foi puxado sobre três tipos diferentes de areia com quantidades variadas de diferentes líquidos. Todos os sistemas demostraram a mesma relação entre o módulo de rigidez e o coeficiente de atrito dinâmico, um importante resultado alcançado pela pesquisa.
Fica, portanto, mais fácil acreditar que a mão de obra disponível no Egito, na época das construções das grandes pirâmides e templos, foi suficiente devido ao uso do deslizamento sobre a areia molhada. Ou seja, um pouco de água lançada sobre a areia, substituiria a ajuda de extraterrestres para a construção das pirâmides! Além disso, o efeito descrito tem importante repercussão para o transporte de grãos através de tubos. A movimentação de materiais granulares é responsável por cerca de 10% do consumo mundial de energia e a compreensão desses mecanismos é um grande passo para a melhoria dos nossos sistemas de transporte granular.