A regeneração dos dentes pode ser induzida

Por Ricardo Castilho Garcez                                                                                                               Prof. do Dpto. Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

Para ouvir o áudio do texto com o autor, clique aqui.

Ricardo - imagemQuantos de nós já não sofremos  apenas por ouvir o barulho de uma broca odontológica? Esse tipo de desconforto pode estar com seus dias contados. Um artigo publicado em maio de 2014, pelo prestigiado grupo editorial da revista Science, demonstrou que um laser de baixa potência poderia ser uma alternativa viável, não apenas para substituir as brocas odontológicas, mas para induzir as células tronco, presentes no dente, a produzirem parte do tecido duro do dente (dentina) perdido em lesões, como as cáries, por exemplo.

A parte que nós conseguimos ver de nossos dentes (coroa) é formada por duas camadas de tecidos duros (mineralizados): o esmalte na parte mais externa e a dentina que fica abaixo do esmalte, revestido a cavidade interna do dente (câmara pulpar). As células que formam o esmalte (ameloblastos) só estão presente durante a formação dos dentes. Em indivíduos adultos elas já não existem mais. Todavia, na câmara pulpar existem células tronco capazes de formar odontoblastos – células que produzem a dentina. Essas células normalmente produzem uma pequena quantidade de dentina, mas são incapazes de regenerar eventuais lesões. A cárie dentária é a lesão mais comum nos dentes, ela consiste da perda localizada de tecido mineralizado (esmalte e dentina). Nos casos mais brandos, as lesões atingem apenas o esmalte. Já nos casos mais graves, o esmalte e a dentina são danificados. Para tratar as cáries, os dentistas normalmente removem o tecido comprometido (utilizando as temidas brocas odontológicas), substituindo esse tecido por resinas artificiais (antigamente eram utilizadas as amalgamas prateadas). Apesar de eficiente, esse tipo de tratamento tende a permitir, com o passar do tempo, o aumento da lesão decorrente de possíveis fissuras, fraturas, descolamento e infiltração na restauração. Se a lesão atingir a câmara pulpar, os tecidos ali presentes podem entrar em processo de necrose (morte), sendo necessário o tratamento de canal (tratamento endodôntico). Os tecidos presentes na câmara pulpar, chamados de polpa dental, formam a parte viva do dente, a perda desse tecido, a longo prazo comprometerá a sua integridade.

Nos últimos anos, diferentes grupos de pesquisa tentam estabelecer métodos para regeneração de dentina utilizando células tronco. Os mais comuns envolvem a utilização de enxertos de células e a aplicação de substância químicas. Todos eles envolvem risco considerável, além de serem muito caros. Praveen Arany, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Dental e Craniofacial, de Maryland – USA e seus colegas tiveram uma ideia brilhante:

” Tudo o que precisamos para regenerar a dentina está na própria estrutura do dente: células tronco adultas e as substâncias químicas que estas células precisam (os chamados fatores de crescimento)”, diz Arany.

Para isso, os autores realizaram experimentos removendo o esmalte e parte da dentina, do dente de um rato. Em seguida, eles estimularam a região lesionada com laser de baixa potência para fazer pequenas lesões no tecido da polpa dental. Essas lesões foram pequenas o suficiente para não prejudicar o tecido, mas capazes de estimular a produção de fatores de crescimento da família TGF-beta. Esses fatores estimularam as células tronco adultas normalmente presentes na câmara pulpar, fazendo com que elas proliferassem e diferenciassem, tornando-se odontoblastos. Os resultados no entanto, são ainda mais promissores. Esses odontoblastos foram capazes de regenerar boa parte da dentina perdida durante a lesão experimental.

É importante lembrar que os fatores de crescimento da família TGF-beta estão envolvidos em vários processos do nosso corpo, desde regeneração até desenvolvimento de tumores. Sendo, portanto, necessários estudos mais aprofundados que assegurem a utilização deste método em pacientes.  No entanto, a simplicidade e o provável baixo custo desse tipo de procedimento são pontos positivos importantes dessa nova proposta terapêutica. ” O desconforto que o tratamento a laser de baixa potência causaria num paciente, seria quase imperceptível.

Para acessar o artigo original clique aqui

12 comentários sobre “A regeneração dos dentes pode ser induzida

  1. Que idiotice, fazer testes em dentes de um rato, que é um roedor. Este passa a vida toda em pleno desenvolvimento dos dentes, é óbvio que nele os resultados serão os mais promissores possíveis…

    • Olá Eduardo,
      Acredito que não tenhas nenhuma formação na área biomédica, não é? Os ratos ou camundongos apresentam crescimento contínuo apenas dos dentes incisivos (os grandes que ficam bem na frente), os molares são como os nossos. Por isso que a comunidade científica aceita muito bem trabalhos de regeneração dental, realizados com ratos e camundongos. Se vc. leu o texto na íntegra antes de manifestar tua opinião, deve ter percebido que a grande novidade desse trabalho é a possibilidade de ativar, molecularmente, células tronco já existentes na polpa dental a regenerarem a dentina, pela estimulação a laser. A destina é um tecido mineralizado interno ao dente, mesmo se os resultados fossem com dentes incisivos de roedor (aqueles que têm crescimento contínuo), ainda assim seria uma grande descoberta.
      Caso tenha ficado com alguma dúvida, escreva-nos.
      Att.,
      Prof. Dr. Ricardo Castilho Garcez
      Prof de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Curso de Odontologia – UFSC
      Pesquisador do Lab. de Células tronco e Regeneração Tecidual – UFSC

  2. Boa Tarde,

    Gostaria de saber Prof. Dr Ricardo se a UFSC já está fazendo esses tipo de procedimento em pessoas, e como podemos nos candidatar para fazer em nós esses testes?

  3. Acredito que tumores progridem geralmente quando há uma condição favorável que os alimente. Exemplo: um fumante fica exposto a substâncias que seriam favoráveis ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer. Quando o tumor aparece, se desenvolve. Caso este tratamento que foi descoberto agora cause algum tumor, a probabilidade deste se desenvolver não seria reduzida? Quero dizer, não há condição favorável, a princípio.

    • É importante lembrar que os nutrientes utilizados pelas células tumorais são os mesmo utilizados pelas nossas células normais. De maneira simplificada, a célula tumoral é uma célula normal que perdeu o controle sobre seu crescimento. É aí que mora o problema, esses fatores (TGF-beta) que induzem a regeneração, muitas vezes estão ligados ao descontrole de crescimento das células tumorais. Não acredito que seja algo fácil de ocorrer, mas quanto uma nova terapia é liberada ao público, tem que ser absolutamente segura!

  4. Há! se eu tivesse estudado o suficiente eu ia “cair de cabeça nessa!!! pois só de saber q existe a possibilidade já é um passo anterior ao próximo óbvio!!! Fiquei muito contente de saber da novidade! na verdade se todo mundo estudasse alguma coisa que fosse á éstas alturas nois ja regeneraria todo o corpo eu acredito! mas enfim paciência!!! 🙂

  5. Olá, doutores, como vão?
    Doutor Ricardo Castilho, por favor, poderia me explicar a viabilidade de um dia podermos realizar a “rebrota” de dentes?
    Tenho acompanhado alguns procedimentos de regeneração, desde a revascularização pulpar, a regeneração tecidual guiada do periodonto, até os diversos procedimentos de regeneração da dentina, eletroestimulação, foto-estimulação e a mais recente, a estimulação com Tideglusib.
    No entanto, acredito que as células tronco podem muito mais!
    Peço perdão se já houver pesquisa neste sentido, mas eu ainda não encontrei artigo sobre a possibilidade dos vasos sanguíneos e nervos, próximos as aberturas apicais, que atravessam toda a arcada dentária, possuírem informação genética dormente, talvez sendo possível sua estimulação.
    O que quero saber é o seguinte:
    O Doutor acha viável um procedimento que inclua inserir nas aberturas apicais: células tronco, catalisadores químicos (Tideglusib, por exemplo), matéria-prima mineral (grânulos ou esponja mineral biodegradável, por exemplo) e, talvez, estimulação elétrica ou fotovoltaica, a fim de reproduzir o processo de formação e rebrota de dentes permanentes?
    Faço grandes votos de sucesso para o Doutor e toda sua equipe de renome.
    Atenciosamente,
    Daniel.

  6. Olá, cientistas! Como vão?
    Tenho lido bastante sobre pesquisas com células-tronco, principalmente as que tem por objetivo regenerar os dentes.
    Até o momento já li sobre revascularização pulpar; nanotecnologia; laserterapia; eletroestimulação; Tideglusib; e implante de células-tronco proveniente de dentes de leite.
    Estou impressionado e empolgado com o futuro que nos aguarda neste campo!
    Acredito que as células-tronco, após dominadas, serão o maior marco na medicina moderna.
    Doutores cientistas, por favor, poderiam dar algum parecer quanto a possibilidade de uma técnica que promova uma terceira dentição (rebrota de dentes, se preferir)?
    Atenciosamente,
    Daniel.

    • Olá Daniel,
      Obrigado pela mensagem!
      Eu não trabalho diretamente com processos de regeneração de dentes, estudo células tronco presente nos dentes, mas acompanho alguns trabalhos que têm saído e tua pergunta é ótima!
      Quando falamos em regeneração de dentes, a primeira impressão é que seria algo complicado, complexo, difícil de se conduzir no paciente. O desenvolvimento de um dente é um evento complexo que depende da interação de tecidos e fatores solúveis específicos, em momentos específicos. A pergunta aqui seria: Como fazer, artificialmente essas combinações tão específicas de tecidos (que nos adultos, aparentemente, já não estão mais presentes) com fatores de crescimento específicos? Pensando nisso tudo, facilmente poderíamos julgar essa tarefa impossível!
      Mas tem um detalhe importante, existem animais com uma estrutura dentária muito semelhante à nossa que, ao perder um dente, outro nasce sozinho! O jacaré, por exemplo! Se comparar o desenvolvimento e a estrutura final de um dente de jacaré, vc verá que é idêntico ao nosso (somente a forma muda). Se dois organismos têm a mesma estrutura, um regenera e outro não, isso muito provavelmente ocorre pq há diferenças na expressão de alguns poucos fatores. Por esse ponto de vista, a regeneração de dentes não é algo impossível de se conseguir.
      Já tem muito trabalho nesse sentido, mas nada definitivo ainda. A melhor maneira de acompanhar as novidades que saem nessa área é pesquisar no site http://www.pubmed.com (coloque as palavras chave, como tooth regeneration, no campo de busca). Aparecerá muitos artigos, para filtrar, utilize como critério o “impact fator” da revista que foi publicado. Quanto maior, melhor é a revista e mais criteriosa tende a ser.
      Espero que tenha ajudado, qualquer dúvida, não hesite em escrever!
      Abraço!
      Prof. Dr. Ricardo C. Garcez

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