Por Renata Kiatkoski Kaminski Pesquisadora do Dpto. de Química – UFS
Para ouvir o áudio do texto com a autora, clique aqui.
Curar lesões nos nervos periféricos continuam sendo um grande desafio à ciência, apesar dos grandes progressos na compreensão da biologia do sistema nervoso periférico (SNP), bem como das inovações na área de microcirurgia e materiais. O SNP é formado pelos nervos que levam o sinal elétrico do Sistema Nervoso Central (SNC) (cérebro + medula espinhal) até o restante do corpo. Por não serem protegidos por ossos como o SNC (crânio e coluna vertebral), os nervos periféricos são mais vulneráveis a sofrerem danos. As lesões nos nervos periféricos, causadas por acidentes, doenças, ou até mesmo procedimentos cirúrgicos, são muito difíceis de regenerar. Os procedimentos para reparo de nervos periféricos, utilizados atualmente, são complexos e muito pouco eficientes. Quanto lesionados, os neurônios crescem naturalmente, a uma velocidade de 1mm/dia, e mesmo que possamos induzir perfeitamente seu crescimento após uma lesão, isso poderia levar um longo tempo, causando atrofia muscular e, consequentemente deficiência.
Pesquisadores da Universidade de Pequim, em artigo publicado na revista Technology Review em abril de 2014, demonstraram que uma liga metálica de gálio-índio-estanho (Ga-In-Sn) pode ser utilizada para facilitar a regeneração de nervos periféricos. Essa liga metálica é líquida a temperatura corporal, ou seja, um metal líquido. É certo que nessa hora começamos a pensar no Exterminador do Futuro, com seu vilão que insiste em não morrer e se regenera graças a um metal líquido. Mas ainda não é o caso! Essa liga metálica, desenvolvida pelos pesquisadores chineses, não é capaz de causar a regeneração dos tecidos do nosso corpo, como no caso do filme. No entanto, ela possui propriedades físicas importantes para o processo de regeneração de um nervo periférico, como condução elétrica melhor que outros líquidos biológicos. Isso é algo muito importante se considerarmos que a comunicação nervosa se dá por impulsos elétricos. A presença dessa liga metálica, numa região lesionada, permitiria que o músculo continuasse a receber estímulos elétricos. Seria como se este metal líquido preenchesse o espaço entre a célula muscular e a extremidade intacta do nervo, até o momento em que o nervo pudesse regenerar e refazer seu contato físico com a célula muscular. Desta forma, seria possível manter o músculo ativo enquanto a regeneração ocorre. Além disso, essa liga metálica é aparentemente não tóxica, mesmo em grandes quantidades.
O artigo publicado ainda inclui três propostas de curativos de neurônios, levando em consideração que a liga metálica funcionaria como uma ponte entre as duas extremidades do nervo lesionado. Com o uso dessa tecnologia, poderemos ser capazes evitar a degeneração muscular enquanto a regeneração nervosa ocorre. Essa nova proposta de tratamento pode oferecer um controle muscular total ou parcial ao paciente nesse período de tempo. Como já foi citado, são estudos preliminares ainda, mas a parte fundamental da pesquisa tem resultados sólidos.
Para os experimentos, os cientistas usaram nervos ciático de rãs e mediram os pulsos nervosos que passavam pelo nervo intacto, pelo nervo lesionado preenchido com a liga metálica ou preenchido com solução de Ringer, que imita as propriedades dos fluidos corporais. Os resultados revelaram que os pulsos nervosos que passam pela solução de Ringer vão diminuindo muito ao longo do tempo, provavelmente porque a solução é absorvida pelo organismo. Já na presença da liga metálica, os resultados foram muito melhores, uma vez que o sinal é mantido ao longo do tempo e é muito próximo ao sinal observado no nervo ciático intacto. Outra vantagem é que o metal líquido é facilmente visualizado no Raio X, podendo ser removido com um microsseringa, evitando a necessidade de procedimento cirúrgico invasivo.
Claro que existem ainda várias perguntas a serem respondidas – será que o metal líquido resiste ao tempo necessário para regeneração física? Será que ele funcionaria no corpo humano vivo, ou somente in vitro? O metal líquido pode interferir no processo de regeneração? O que ocorre se houver vazamento da liga metálica? Muitas questões ainda devem ser estudadas. Embora este trabalho ainda esteja em seus momentos iniciais, esse material também nos oferece boas razões para sermos otimistas. Até o momento, as pesquisas indicam que é um material biocompatível e pode ser usado no corpo humano sem problemas. Outra questão importante é o fato dos músculos e nervos das rãs funcionarem de maneira parecida com os nossos, o que nos permite olhar com certo otimismo para esses resultados. Uma coisa é certa, a liga líquida Ga-In-Sn será notícia em um futuro próximo pela excitante possibilidade de se tratar paralisias e deficiências humanas.
Pingback: Metal para regenerar nervos