Por Vitor Klein Pesquisador do Grupo Strategos – Esag/UDESC
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O Brasil carece de líderes. Essa parece ser a opinião de muitos especialistas, que enxergam na crise econômica e política o clímax da falta de um projeto unificado de nação. Careceríamos, nesse caso, de liderança com envergadura proporcional aos nossos desafios; e esses desafios são muitos. Em tempos de crise, no entanto, é comum que esperanças sejam depositadas sobre a figura do líder. Costumamos pensar no líder como alguém capaz de solucionar problemas complexos,de guiar e conduzir em situações adversas, e de realizar feitos notáveis. Grande parte da pesquisa sobre o assunto reforça essa ideia ao distinguir o líder do gestor. Ou seja, enquanto o gestor é visto como responsável pela manutenção da estabilidade, o líder seria capaz de induzir a mudança pela sua capacidade de inspirar e inovar. No entanto, evidências coletadas pelos pesquisadores Mats Alvesson e Stefan Sveningsson colocam em cheque essa simples diferenciação.
Alvesson e Sveningsson verificaram (2003a; 2003b) que, gerentes de uma empresa investigada por eles possuíam noções vagas e contraditórias sobre o papel do líder. Sua pesquisa buscou entender como um grupo composto por pessoas altamente qualificadas entendia a liderança no contexto de seu trabalho. Aos entrevistados foi perguntado o que eles achavam que liderança significava na prática. Inicialmente, estes descreveram o líder como alguém que formula visões, estratégias e guias gerais para a organização. Essa primeira interpretação ocorreu pelo fato da empresa estar conduzindo uma reorganização radical das suas atividades, período em que conceitos de liderança eram enfatizados em reuniões e treinamentos. No entanto, ao serem indagados para especificar melhor o que esta descrição significava na prática, os entrevistados falharam em apontar aspectos concretos. Ao invés disso, eles relacionaram ao líder tarefas comuns ao dia-a-dia de qualquer organização. Entre elas estavam o ato de ouvir e bater-papo. Ouvir teria sido retratado como um aspecto importante, pois atende demandas por inclusão, participação e significação social. Ouvir diminui a ansiedade nas relações de trabalho, pois cria um sentimento de segurança entre as pessoas, as quais enxergam nesse ato um interesse genuíno por parte de alguém investido de poder. De forma similar, bate-papos foram descritos como importantes, pois são indicativos de que alguém em posição de autoridade está disponível para a sua equipe.
As incoerências na caracterização do que é liderança na prática daquele grupo, em contraste aos conceitos estabelecidos pela literatura, demonstram que a liderança se dissolve como construto conceitual naquela organização (Alvesson and Sveningsson, 2003a). Isto é, torna-se difícil distinguir o que é liderança de trabalho rotineiro. Ao invés de desqualificar o fenômeno os pesquisadores optaram, no entanto, por reconceituar a liderança. A conclusão deles é que atributos e tarefas caracterizados como importantes para o exercício da liderança são corriqueiros, parte da rotina burocrática de qualquer organização. No entanto, quando esses atributos e tarefas são executados por gerentes que coordenam equipes, gerentes subordinados atribuem a estes atos um significado extraordinário. Os pesquisadores chamam essa resignificação do trabalho rotineiro em algo fora do comum de a extraordinarização do mundano.
A pesquisa de Alvesson e Sveningsson nos dá algumas lições importantes sobre liderança. Uma delas é a demoção da liderança de seu status mitológico. Alvesson e Sveningsson demonstram que a liderança funciona como um processo de significação social e sugere que, neste caso, a liderança não exista além do plano conceitual em muitas organizações. Com isso, argumentam os autores, o conceito de liderança como algo estável, coerente e diferenciado da gestão teria pouca validade para a compreensão sobre o que gestores realmente fazem. Uma maneira de corrigir este problema, sugerida pelos autores, é a adoção de uma espécie de postura agnóstica frente à liderança, onde pesquisadores devem estar abertos ao senso comum, a novos vocabulários e a diferentes linhas de interpretação.
Para a prática nas organizações este estudo traz ânimo. Afinal, líderes não são tão extraordinários como o imaginário popular sugere. Alvesson e Sveningsson não defendem, contudo, que a liderança se resume àqueles aspectos descritos pelo grupo estudado. No entanto, suas conclusões apoiam uma versão mais pragmática de liderança. A desconstrução da ideia de um conceito universal de liderança dificilmente atenuará clamores por mais líderes. Mas desmitificar o que eles fazem é o caminho para a busca de práticas de liderança mais democráticas e um melhor entendimento do que gestores realmente fazem. A pesquisa de Alvesson e Sveningsson fornece-nos pistas nesse sentido, de que a simbologia do grande estadista pode ser substituída pelo pragmatismo da participação nas organizações.
- Alvesson, M. and Sveningsson, S. (2003a) ´The great disappearing act: Difficulties in doing “leadership”´, The Leadership Quarterly 14: 359-381.
- Alvesson, M. and Sveningsson, S. (2003b) ´Managers doing leadership: The extra-ordinarization of the mundane´, Human Relations 56:(12): 1435-1459.