Por Giordano Wosgrau Calloni Prof. do Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética
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No ano de 2002, cientistas publicaram na conceituada revista científica The Lancet, dados de 13 anos de pesquisa (1983-1997) a respeito da mortalidade de cerca de 18.000 pessoas com síndrome de Down. Esta síndrome também é conhecida como trissomia do cromossomo 21, uma vez que a alteração genética é ocasionada justamente pela presença total ou parcial de uma cópia do cromossomo 21. O estudo em questão mostrou que pessoas com síndrome de Down são mais propensas às alterações cardíacas congênitas, demência e hipotiroidismo. Por outro lado, estes mesmos dados revelaram que as pessoas com síndrome de Down apresentaram menor tendência a desenvolverem tumores malignos, ou seja, aqueles tumores que invadem tecidos próximos e, eventualmente, podem ir ainda mais longe, e formar novos focos tumorais à distância (neste último caso, são comumente chamados de metástases). Entretanto, esta menor tendência está restrita aos tumores ditos “sólidos”, ou seja, aqueles que formam verdadeiros agregados celulares com aspecto nodular em tecidos como a mama, cérebro, pulmões, etc. Apenas as leucemias e os tumores testiculares apresentaram a mesma incidência em pessoas com síndrome de Down em relação à indivíduos não sindrômicos.
O porquê destes indivíduos apresentarem uma redução da formação de tumores sólidos era até então desconhecido. Algumas hipóteses foram aventadas, dentre elas: i) redução na exposição à fatores ambientais que contribuem para o risco do câncer; ii) as células das pessoas com síndrome de Down poderiam dividir-se menos ou mais lentamente ou, ainda, iii) aumento da morte celular programada, devido, por exemplo, a um mecanismo pelo qual as células alteradas “cometem suicídio” (chamada no meio científico de apoptose). Complementarmente, outros estudos mostraram que pessoas com síndrome de Down também apresentavam riscos menores de desenvolver algumas doenças relacionadas à formação de vasos sanguíneos no corpo, tais como a retinopatia diabética (deterioração das células da retina devido à diabetes) e a arteriosclerose.
Por possuírem uma cópia extra do cromossomo 21, as pessoas com síndrome de Down apresentam 231 genes a mais do que indivíduos não sindrômicos. Cogitou-se então que algum(ns) destes genes poderiam estar conferindo uma proteção contra alguns tumores e doenças relacionadas aos vasos sanguíneos. No ano de 2009, os cientistas publicaram na revista Nature, um estudo que apontou um possível gene que poderia estar envolvido na “proteção” a estas terríveis doenças. Este gene é chamado de DSCR1, (do inglês Downs Syndrome candidate region-1). Os cientistas descobriram que este gene estava aumentado nos tecidos de pessoas com síndrome de Down e também em modelos de camundongos que mimetizam esta síndrome. Estes cientistas também demonstraram que um modesto aumento na expressão deste gene consegue suprimir a formação de tumores em animais de laboratório. O mais espetacular foi que esta “resistência” à formação de tumores estava relacionada com uma deficiência na angiogênese (ou seja, na formação de novos vasos sanguíneos).
A maneira como as interações gênicas acontecem permanece sendo explorada pelos cientistas. Contudo, está cada vez mais evidente que estas interações não ocorrem de modo bidirecional ou em uma simples cascata de causa e efeito, sugerindo, portanto, a existência de uma complexidade muito maior envolvida na expressão de um determinado gene. Assim, a natureza exibe uma vez mais sua face extraordinária, mostrando que se de um lado um desequilíbrio no balanço de alguns genes pode levar à um déficit cognitivo, por outro lado, pode proteger estes mesmos indivíduos de uma das principais causas de mortalidade dos seres humanos.
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