Por Marco Augusto Stimamiglio Instituto Carlos Chagas – Fiocruz/PR
O desenvolvimento normal das células que formam nosso sangue pode ser didaticamente separado em duas fases. Uma fase proliferativa, na qual células progenitoras (chamadas células-tronco hematopoiéticas) se dividem para gerar certa quantidade de células. Estas células sofrem então um processo de maturação dando origem às células sanguíneas maduras, o que completa a segunda fase do desenvolvimento normal das células que formamnosso sangue. Estas duas fases ocorrem no interior de alguns ossos do nosso corpo, especificamente no tecido conhecido como medula óssea (mais popularmente chamado de tutano). Neste processo de amadurecimento das células sanguíneas, podemos distinguir dois grupos de células distintas que são constantemente liberadas nos vasos sanguíneos: os glóbulos vermelhos (células que transportam oxigênio) e os glóbulos brancos (células de defesa).
Nas leucemias (um tipo de câncer do sangue), entretanto, ocorrem erros neste processo de desenvolvimento das células sanguíneas. Estes erros fazem com que as células progenitoras permaneçam na fase proliferativa, o que irá gerar duas consequências graves: haverá menos células maduras formadas e muitas células leucêmicas em constante proliferação. Com o passar do tempo, as células leucêmicas tornam-se proporcionalmente muito mais abundantes que as células sanguíneas normais presentes nos vasos sanguíneos, dificultando assim a obtenção de oxigênio, o controle do sangramento e a luta contra infecções.
Em um artigo publicado no dia 16 de março de 2015 em uma renomada revista científica (Proceedings of the National Academy of Sciences), pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, descobriram que pode ser possível forçar o amadurecimento das células leucêmicas ao ponto de reprogramar o seu comportamento para que se tornem glóbulos brancos funcionais, ou seja, células de defesa do nosso corpo. Essa descoberta aconteceu quase que por acaso. Os pesquisadores haviam isolado no laboratório as células leucêmicas de um paciente com B-ALL (Leucemia Linfoblástica Aguda de células B) e estavam tentando mantê-las vivas em cultivo para poder estudá-las. Para isso, os pesquisadores “alimentavam” as células com vários tipos de substâncias, chamadas fatores de crescimento. Foi quando um dos pesquisadores do grupo observou que as células leucêmicas estavam mudando de forma e de tamanho e se transformando em um tipo de glóbulo branco, chamado macrófago. Após confirmar este achado, os pesquisadores se perguntaram se estas células leucêmicas transformadas em macrófagos manteriam sua malignidade. Através de experimentos em animais de laboratório, os pesquisadores constataram que as células leucêmicas não foram apenas neutralizadas (tornando-se incapazes de desenvolver a doença nestes animais), mas eram capazes de desempenhar as atividades típicas dos macrófagos, como a capacidade de matar bactérias. Os pesquisadores acreditam ainda que estes macrófagos possam ajudar na luta contra as células leucêmicas, pois carregam consigo sinais químicos derivados destas células que os originaram. Isso quer dizer que, se os macrófagos possuem sinais químicos derivados das células leucêmicas, eles poderão usá-los para instruir outras células de defesa do nosso sistema imune para que encontrem estes sinais em qualquer outra célula do organismo e destruam-nas.
Outra grande descoberta que os pesquisadores de Stanford fizeram, foi a demonstração de que a transformação das células leucêmicas em macrófagos ocorre também de modo espontâneo, em pacientes com B-ALL, embora em pequena porcentagem. Sendo assim, este fenômeno torna mais provável o desenvolvimento de uma possível estratégia terapêutica, pois o caminho seria encontrar uma substância química que acelere essa transformação que já ocorre espontaneamente. Entretanto, esse caminho pode ser bastante árduo, pois a utilização de tratamentos com fatores de crescimento que induzam a transformação das células leucêmicas em macrófagos normalmente também levam a uma série de efeitos não desejados sobre outros tecidos do corpo humano. De qualquer forma, o próximo passo dos pesquisadores será descobrir uma substância que possa promover em pacientes humanos os resultados obtidos neste estudo e que possa servir de base para uma nova terapia contra a leucemia.