A Depressão: uma banda de rock’n roll com genes não compreendidos

Por Geison Souza Izídio                                                                                                                  Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

Geison - FiguraSetembro é um mês importante para os fãs de uma das maiores bandas de rock da história. O Nirvana foi uma banda norte-americana, criada em 1987, que vendeu mais de 50 milhões de discos. Neste mês, comemoram-se os aniversários de lançamento de dois dos três álbuns de estúdio que a banda produziu. São eles o Nevermind (lançado no dia 24 de setembro de 1991) e o In Utero (lançado no dia 13 de setembro de 1993).

A história de grande sucesso da banda foi abreviada quando, em abril de 1994, Kurt Cobain, vocalista e guitarrista da banda, foi encontrado morto em sua residência. Ao longo dos últimos anos de sua vida, Kurt vinha lutando contra o vício em drogas e os transtornos de humor. Certamente um gênio da música, que sucumbiu na batalha, contra algumas neuropatologias graves, ao se suicidar em casa.

A depressão é um dos transtornos de humor comuns, que pode acometer até 25% das pessoas, em algum momento da sua vida. As causas de origem da depressão ainda não são completamente compreendidas, mas diversos pesquisadores acreditam que ela esteja relacionada com alterações dos neurotransmissores no cérebro, como a dopamina, serotonina e noradrenalina.

Vários genes de suscetibilidade à depressão já foram identificados por cientistas ao redor do mundo. Contudo, é sempre importante lembrar que somente a parte genética ou biológica não explica totalmente esta neuropatologia. A depressão é um transtorno complexo e heterogêneo, dependente de múltiplos fatores, e parece ser consenso o fato de que o estresse é fundamental na sua origem. Isso quer dizer que, os indivíduos suscetíveis aos efeitos negativos do estresse teriam maior probabilidade de desenvolver depressão.

Um estudo, publicado, em dezembro de 2014, na revista Nature, pelo grupo do prof. Eric J. Nestler de Nova Iorque nos EUA, sugere que a capacidade do nosso cérebro lidar com o estresse e resistir à depressão é influenciada, pelo menos em parte, pela atividade da proteína beta-catenina. Neste estudo, os cientistas expuseram camundongos de laboratório a um estresse social contínuo. Eles sofriam uma espécie de “booling” constante por parte de outros camundongos. Alguns destes animais passaram a apresentar depressão e ansiedade. Após a análise dos seus cérebros, os cientistas descobriram que os camundongos resistentes à depressão apresentavam maior quantidade da proteína beta-catenina em uma área que é o centro de recompensa e motivação do cérebro, o núcleo accumbens (NAc).

Outros experimentos revelaram que os efeitos de resistência à depressão foram mediados através de interações entre a beta-catenina e o receptor D2 da dopamina. Isso quer dizer que, se esta interação fosse rompida os camundongos resistentes se tornariam suscetíveis à depressão. Por fim, os pesquisadores silenciaram a expressão da beta-catenina dos neurônios NAc e fizeram uma análise de expressão dos genes resultantes. Os cientistas descobriram que a beta-catenina tem como alvo um gene que codifica para uma proteína chamada Dicer1, que é chave na regulação da expressão de vários genes. Entretanto, quais são e como atuam esses genes no desenvolvimento da depressão parece ser agora o desafio a ser resolvido.

Seria difícil acreditar que as canções de sucesso do Nirvana vieram somente dos seus músicos, ou dos seus instrumentos afinados. Provavelmente, a sinergia entre todos os músicos e instrumentos ao longo do tempo de existência da banda produziu os sucessos. Da mesma maneira, na depressão fatores genéticos e ambientais são difíceis de serem dissociados. Eles interagem no individuo, ao longo de todo o tempo, podendo levá-lo a um quadro depressivo, no futuro. Alguns ainda poderiam relutar e atribuir a maior parte do sucesso do Nirvana à voz, ao estilo ou ao talento de Kurt Cobain, como se a cura da depressão estivesse somente na beta-catenina. Contudo, o correto é que esta proteína é apenas mais uma peça importante na engrenagem de toda a enorme complexidade deste transtorno, como a voz, o estilo e o talento de Kurt também foram.

Então, este estudo, como a maioria dos que buscam genes para a prevenção ou tratamento de neuropatologias, não resolve completamente o problema. Mas acredita-se que agora tenhamos a perspectiva de, no futuro, ativar mecanismos que façam o individuo se tornar mais resistente aos fatores estressantes, ao invés de tentar recuperá-lo de um quadro depressivo já bastante negativo. Entretanto, este desafio ainda é hercúleo. Muitas pesquisas mais serão necessárias. Provavelmente, perderemos mais alguns gênios na música, ou em outros campos, que ainda nem nasceram. Porém, um holofote de luz no palco antes escuro já é visto. E assim, talvez futuramente o Lítio (Lithium), usado no tratamento dos transtornos de humor e cantado por Kurt Cobain no terceiro single de sucesso do Nevermind, volte a ser apenas o terceiro elemento químico mais simples encontrado na natureza.

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