O que espinafres e lesmas marinhas têm em comum?

Por: Giordano W. Calloni                                                                                                                    Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC

Oxynoe olivacea. Fonte: Wikipedia

Oxynoe olivacea. Fonte: Wikipedia

Se perguntássemos a você leitor que cor poderia lhe fornecer energia? Ou seja, aquela cor que lhe parece estar intimamente associada à liberação de força, calor, enfim, de lhe colocar para cima? Provavelmente, lhe virá à mente, o amarelo (talvez por sua associação aos raios solares), ou o vermelho (talvez por sua associação ao sangue). Outros ainda poderão inclusive sugerir que “O azul é a cor mais quente”, tendo em mente o filme de Abdellatif Kechiche, que ganhou a palma de Ouro do Festival de Cannes em 2013. Mas não se engane meu caro leitor, talvez a cor mais energética, biologicamente falando, seja na verdade o verde (na Física trata-se do Violeta, clique aqui para saber mais).

Curiosamente, a cor verde está subliminarmente embutida em nossas mentes como energética. Por exemplo, todos conhecem o Incrível Hulk, o gigante verde que simboliza a força por excelência (mesmo que originalmente na verdade o personagem criado em 1962 por Jack Kirby e Stan Lee, fosse cinza e um erro na impressão o tornou verde, o que pareceu agradar muito ao público, por isto foi mantida). Basta nos lembrarmos de outro personagem: o marinheiro Popeye cuja força brota de um reluzente maço de espinafres verde. Criado em plena Grande Depressão Americana, em 1929, alguns sustentam que o personagem Popeye foi mais um estratagema capitalista para estimular a venda do alimento. E se esta era a intenção funcionou, pois as vendas do espinafre triplicaram naquela época. Como sabemos, o que tornou o espinafre famoso do ponto de vista energético não foi a sua cor verde, mas, sua quantidade de ferro. Infelizmente, ganhou fama por um erro de datilografia cometido em 1870, no qual o pesquisador E. Von Wolf esqueceu-se de colocar uma vírgula em seu artigo científico e, desta forma, o espinafre ganhava 10 vezes mais ferro em sua composição do que a real. Apenas em 1937 o erro foi desfeito, tarde demais, sendo que esta ideia permanece ainda no nosso imaginário. A estas alturas você deve estar se perguntando: o verde realmente é a cor mais energética do ponto de vista biológico afinal?

"Plagiomnium affine laminazellen" by Kristian Peters

“Plagiomnium affine laminazellen” by Kristian Peters

O verde que vemos nos vegetais (incluindo o espinafre) é derivado de um pigmento denominado clorofila. Há pouco esteve na moda o tal “suco de clorofila” certo? Pois bem, a “energia” fornecida pelo suco até tem sua lógica pelas inúmeras substâncias antioxidantes que muitos dos vegetais utilizados possuem, mas não por fornecer energia graças à clorofila. Não se engane! A clorofila não fornece energia para nós animais (será?), mas apenas para os seres que possuem os chamados cloroplastos. Os vegetais obtém sua energia graças à fotossíntese, ou seja, graças à clorofila que atua como uma antena captando a energia do sol e transformando-a em alimento (carboidratos). A clorofila não está solta dentro dos vegetais, mas sim presente em estruturas chamadas de cloroplastos. Os cloroplastos são organelas presentes exclusivamente no interior (citoplasma) de células vegetais, alguns protozoários e algas (Figura 1). Mas e se eu lhe dissesse que existem animais capazes de fazer fotossíntese?

Pois bem, os cientistas descobriram que alguns animais marinhos parecidos com lesmas, comumente chamados de moluscos, alimentam-se de algas verdes e são capazes de “roubar” os cloroplastos das mesmas. Os cloroplastos presentes nas algas ao serem ingeridos pela lesma marinha, escapam da digestão e passam a viver e funcionar normalmente dentro de algumas células epiteliais do sistema digestivo do animal passando a ser chamados pelos cientistas de Kleptoplastos. Esta bela associação denomina-se Kleptoplastia (do grego Kleptes = ladrão). Apesar de parecer algo descoberto muito recentemente, a Kleptoplastia foi descrita pela primeira vez há exatos 50 anos, em 1965, pelos pesquisadores Kawaguti e Yamasu, no gastrópode marinho Elysia atroviridis. Os benefícios da Kleptoplastia dependem enormemente da espécie de lesma estudada, bem como, do tipo de cloroplasto encontrado na associação (o qual depende da espécie da alga ingerida). Alguns estudos mostram inclusive que estes cloroplastos funcionam melhor quando estão nos animais do que nas algas. Há um aumento de cerca de 60% na aquisição de carbono em algumas espécies de lesmas que participam da Kleptoplastia. E o mais fantástico, quando mantidas sem qualquer fonte de alimento, as lesmas são capazes de fazer fotossíntese por meses, ou seja, produzir seu próprio alimento com seus Kleptoplastos. E então leitor, convencido de que o verde realmente é a cor mais quente?

Para saber mais:

Para imagens ver imagens da Elysia atroviridis, clique aqui.

2 comentários sobre “O que espinafres e lesmas marinhas têm em comum?

  1. Pingback: Quimeras: Poderemos algum dia nos tornar seres fotossintetizantes? | Cientistas descobriram que…

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