A molécula “celebridade”, fosfoetanolamina

Por Andréa Rodrigues Chaves                                                                                                       Instituto de Química – UFG

Andrea - FiguraHá menos de seis meses, um composto químico ganhou notoriedade entre a população brasileira, a fosfoetanolamina. Muitos não sabem, nem mesmo, a que função química esta molécula pertence, mas a sua possível aplicação já foi razão suficiente para que este composto ganhasse tanta atenção. A fosfoetanolamina tem sido relacionada a uma considerável redução e melhora no quadro de pacientes com câncer, especialmente pacientes em estágio terminal da doença.

Não vamos, neste texto, defender ou contradizer o que muitos veem relatando sobre sua aplicação. Nossa intenção é apresentar química e bioquimicamente esta molécula “celebridade”.

A fosfoetanolamina é uma molécula cuja estrutura química apresenta um grupamento chamado de amina primária (Figura), sendo produzida naturalmente pelo organismo e utilizada como substrato para biossíntese de muitos outros lipídios da membrana celular, especialmente a fosfatidilcolina.

Parece pouco, mas as membranas celulares exercem papel essencial na manutenção direta ou indireta do organismo vivo, tais como, movimento, crescimento, reprodução e metabolismo. Não só envolvem todas as células, como também separam as organelas do interior, sendo também nas membranas que temos os receptores capazes de captar os sinais extracelulares e transferi-los para o interior da célula.

A composição destas membranas biológicas é variável, mas em média apresentam cerca de 25 a 50% de lipídios e de 50 a 75% de proteínas. Segundo o modelo proposto por Singer e Nicolson em 1972, a membrana é uma bicamada lipídica, constituída por uma mistura complexa de fosfolipídios cujas regiões não-polares (hidrofóbicas) são orientadas para o centro da bicamada, enquanto os grupos polares para o exterior. As proteínas estão embebidas na bicamada lipídica e determinam as funções biológicas da membrana.

Os lipídios são responsáveis por várias características importantes das membranas biológicas, tais como a fluidez, que é determinada pela liberdade de movimentação dos lipídios e das proteínas, a permeabilidade seletiva, que diz respeito à capacidade de algumas moléculas atravessarem a membrana, a capacidade de auto-selar, que consiste na auto recuperação das bicamadas lipídicas rompidas, e, por último, a assimetria, que corresponde ao fato das bicamadas poderem ter camadas diferentes.

Em um dos trabalhos científicos sobre o tema, Griffiths e colaboradores relataram, em 1983, que a concentração de fosfolipídios, especialmente a fosfoetanolamina e a fosfocolina, é elevada em tumores humanos quando comparada com tecidos normais in vivo (ver referência). Neste trabalho, os autores ainda ressaltam a importância destas moléculas devido ao fato de estarem intimamente relacionadas com o controle do crescimento celular.

A morte celular pode ocorrer por diferentes mecanismos, dependendo do modo como as células são estimuladas. Dentre estes mecanismos, podemos destacar a apoptose, que é considerada uma morte celular programada em decorrência de um estímulo, seja interno ou externo à célula. É este o mecanismo geralmente observado quando da extinção de células indesejáveis. Isso ocorre, por exemplo, em células que acumularam mutações e nos distúrbios de crescimento celular.

A nossa molécula “celebridade”, no entanto, não é a fosfoetanolamina produzida naturalmente e sim uma molécula produzida em um laboratório químico. O professor Dr. Gilberto Orivaldo Chiere, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo de São Carlos, é peça fundamental nesta história. O grupo de pesquisa do Prof. Gilberto sintetizou e realizou alguns testes com a fosfoetanolamina. Dentre os principais, destacam-se testes realizados in vitro e in vivo, mostrando que a fosfoetanolamina foi capaz de induzir apoptose nas células tumorais testadas, em condições específicas (ver artigo original).

Segundo estes pesquisadores, a fosfoetanolamina sintética é capaz de atravessar a bicamada lipídica e intervir no metabolismo lipídico e na transdução do sinal celular, que consiste na conversão de um sinal ou estimulo em outro, podendo levar a célula à apoptose. Os pesquisadores ainda ressaltam o fato de ser uma molécula produzida pelo organismo, o que, segundo eles, não seria um composto tóxico ao tecido saudável.

No entanto, vários órgãos regulamentadores são contrários à produção e distribuição da fosfoetanolamina sintética como medicamento, uma vez que os testes realizados não compreendem todos os necessários para comprovar a aplicação, a eficácia e a segurança deste composto como medicamento. Alguns ensaios básicos, como os de toxicidade e farmacocinética, não foram realizados nem em escala laboratorial. O caminho ainda é longo para a liberação ou não desta molécula como medicamento contra o câncer, mas o fato é que temos vários pesquisadores investindo seu tempo e potencial para tratar uma doença que mata milhares de pessoas no mundo.

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