Por Hélia Neves Prof. da Faculdade de Medicina de Lisboa – Portugal

Publicação do estudo: Boothby TC et al (2015). Evidence for extensive horizontal gene transfer from the draft genome of a tardigrade. Proc Natl Acad Sci U S A. 112(52):15976-81. doi:10.1073/pnas.1510461112.
Considerada a primeira obra de ficção científica, o romance de Mary Shelley, intitulado “Frankenstein ou o Moderno Prometeu”, relata a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que, decidido a descobrir os mistérios da criação, constrói um monstro no seu laboratório… Todos conhecemos bem a história dessa criatura… mas hoje gostaria de vos falar de uma outra… igualmente bizarra, mas com capacidades excepcionais, sendo capaz de, por exemplo, suportar pressões de 6 mil atmosferas e uma radiação 1.000 vezes mais intensa que aquela que um ser humano pode suportar! Acredita que esta criatura é real, ou será pura fantasia?
Pois espante-se! A criatura que vos falo vive no nosso planeta e é comumente chamada de “urso-d’água”, pertence ao filo Tardigrada, sendo por isso também apelidado de tardígrado. E a sua história vai para lá da nossa imaginação e revela-nos hoje alguns segredos da vida…
O urso-d’agua é um animal de dimensões microscópicas (tem em média pouco mais de 1 mm), vive na água e como já foi referido é extramente resistente. Ele resiste a temperaturas que podem variar entre os 200ºC negativos e os 150ºC positivos (bem acima do ponto de ebulição da água).
Em 2007, os cientistas enviaram estas criaturas bizarras para o espaço, onde foram expostas não apenas ao vácuo, mas também a elevados níveis de radiação. Dos animais enviados, um terço regressou com vida fazendo do urso-d’água, o único animal do planeta Terra capaz de sobreviver de forma autônoma às condições do espaço extraterrestre. E embora estes “pequenos monstros” vivam poucas semanas, eles são capazes de suspender seu metabolismo de maneira reversível, perdendo mais de 95% da água do seu corpo e entrando num estado de criptobiose (ou dormência) durante vários anos. Posteriormente, podem “regressar à vida” revertendo o processo rehidratando o seu corpo. Pelas características descritas, o urso-d’água é considerado um dos seres vivos mais resistente do planeta!
No final do ano de 2015, foi sequenciado, pela primeira vez, o genoma (a sequência de todo o DNA do organismo) do urso-d’água e os “Cientistas descobriram que…” este é tão bizarro como a própria criatura! Nesse estudo, realizado na Universidade da Carolina do Norte, a equipe liderada pelo investigador Bob Goldstein mostrou que no genoma do urso-d’água existe uma grande quantidade de material genético “roubado” de outras espécies (aproximadamente 6.000 genes), correspondendo esse “DNA estranho” a cerca de 1/6 do patrimônio genético total.
O que é então o “DNA estranho”? O termo refere-se a genes que, sendo provenientes de um outro organismo, são integrados no genoma por um processo conhecido como transferência horizontal de genes. Em oposição a esse tipo de transferência, temos a tradicional transferência vertical de genes, que se faz através da reprodução isto é, passando os genes de pais para filhos. A transferência horizontal de gene ocorre ocasionalmente, tanto nos seres humanos como em outros animais, e é responsável por criar aproximadamente 1% genoma da espécie. Assim, os resultados obtidos por esta equipe mostraram que o urso-d’água é o animal com a maior proporção de genes “estranhos” encontrado até a presente data!
Por fim, resta-nos perguntar qual a origem desses genes “estranhos” do urso-d’água? Esse estudo mostrou existir uma origem diversificada dos genes, provindo principalmente de bactérias, mas também de plantas e de fungos, o que levou os investigadores a levantarem a hipótese do material genético “roubado” de outras espécies ser a fonte dos super-poderes dessas extraordinárias criaturas!
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