Por Izabella Thaís da Silva – Dpto. de Farmácia, UFSC
Você já imaginou que um vírus pode estar relacionado à tão temida Doença de Alzheimer? Cientistas descobriram que alguns microrganismos podem contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, entre eles o vírus causador do herpes labial! Sim! Aquelas feridas doloridas que aparecem nos lábios de muitas pessoas após a exposição solar intensa ou ainda após situações de estresse e/ou baixa do sistema imunológico. Pesquisas lideradas pela cientista Ruth F. Itzhaki 1 da Universidade de Manchester, Oxford, evidenciaram a forte relação entre o Herpes Simplex Virus (HSV-1) e a doença de Alzheimer.
Para compreendermos a relação entre Alzheimer e herpes, é preciso, primeiro, entendermos um pouco da Doença de Alzheimer e suas implicações no cérebro do paciente. Na doença de Alzheimer, ocorre morte progressiva de neurônios levando à perda de memória, da capacidade de cuidar de si próprio e de se comunicar, e acomete, preferencialmente, pessoas idosas. Ao analisar no microscópio, os neurônios de uma pessoa com Alzheimer, encontramos vários pedaços de uma proteína chamada beta-amiloide depositada de forma anormal, formando as chamadas placas senis. Para piorar a situação, um outra proteína, chamada “tau”, agrupa-se formando fibras que se associam às placas senis. O acúmulo progressivo desse material dentro do neurônio dificulta seu funcionamento e acaba levando-o à morte.
A possibilidade do envolvimento do herpes na doença de Alzheimer não é algo tão recente. Há 30 anos, a equipe da doutora Itzhaki2 já havia detectado o material genético (DNA) do vírus nas placas senis de pacientes idosos com Alzheimer. Além disso, mais de 70 % da população mundial é portadora do vírus herpético e, normalmente, o vírus infecta na infância e permanece dormente nos neurônios próximos a pele ao longo de toda a vida. Em situações de estresse ou de imunossupressão, o vírus pode “acordar”, causando as feridinhas novamente, ou, em alguns casos, migrar para o cérebro e se replicar, especialmente nas regiões dos lobos frontal e temporal, justamente nas regiões onde acontecem os maiores danos em pacientes com Alzheimer. Além disso, achados experimentais3 mostraram que o vírus herpético aumenta a produção e depósito da proteína beta-amiloide e formação de fibras de proteína tau nos neurônios e células de glia (experimento realizados com células de camundongo cultivadas), ou seja, os mesmos eventos que ocorrem na Doença de Alzheimer.
Mas caso você tenha herpes, fique tranquilo! Isso não acontece com todas pessoas! Os pacientes mais susceptíveis são aqueles que têm uma alteração no gene da apolipoproteína E (apoE-ε4). Com o intuito de comprovar como diferentes alterações no gene da apoE poderiam interferir na capacidade do vírus da herpes de infectar o cérebro, pesquisadores criaram camundongos com diferentes modificações no gene da apoE. Eles observaram que nos camundongos portadores da modificação genética chamada de “apoE-ε4”, a infecção herpética levou a efeitos potencialmente mais danosos do que nos portadores de outras modificações. Isso mostra que a infecção por HSV-1 é de fato modulada pela apoE, com maior dano viral ocorrendo no cérebro de portadores de apoE-ε4, resultando em Alzheimer.
Além disso, os autores4 investigaram 8.362 pessoas, com 50 anos ou mais, durante o ano 2000 e que haviam sido infectados por HSV-1 ou HSV-2 (com herpes labial recorrente ou ulceração genital). Eles observaram que pacientes infectados com HSV apresentavam risco 2,56 vezes maior de desenvolver Alzheimer. Ainda mais impressionante, um grupo de pacientes infectados pelo HSV (n=7.215) que haviam sido tratados com um dos fármacos anti-herpéticos disponíveis (aciclovir, famciclovir, ganciclovir, idoxuridina, penciclovir, tromantadina, valaciclovir ou valganciclovir) mostrou uma redução surpreendente de quase 10 vezes na incidência da doença de Alzheimer em comparação com aqueles que não receberam tratamento (n = 1.147).
Diante desses achados científicos, surge a pergunta: estamos diante de uma nova possibilidade de prevenção da Doença de Alzheimer com medicamentos anti-herpéticos, uma vez que esse patógeno está relacionado intimamente com o desenvolvimento dessa doença? Ainda é cedo para sabermos, mas tudo indica que, no futuro, esses medicamentos poderão ajudar os pacientes com Alzheimer.
Para saber mais, acesse os artigo originais utilizados para elaboração desse texto:
- Corroboration of a major role for herpes simplex virus type 1 in Alzheimer’s disease.
- Latent herpes simplex virus type 1 in normal and Alzheimer’s disease brains.
- Antiviral agents in Alzheimer’s disease: hope for the future?
- Herpes Viruses and Senile Dementia: First Population Evidence for a Causal Link.