Cancele a omelete, os ovos podem matar você! Será?

Por Daniel Fernandes – Dpto de Farmacologia – UFSC

O leitor deve estar pensando neste momento “de novo, não!”. O debate sobre o consumo de ovos realmente parece não ter fim! Na década de 60, foram publicados estudos observacionais que mostravam uma importante associação entre os níveis de colesterol sanguíneo e o risco de doenças cardiovasculares. Sendo o ovo um dos alimentos mais ricos em colesterol e amplamente consumido, ele rapidamente se tornou um vilão. Diante deste cenário, em 1968 a American Heart Association, umas das principais organizações que determina diretrizes para a prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares, recomendou que as pessoas consumissem menos de três ovos inteiros por semana, alegando que o colesterol elevado na dieta é igual a colesterol alto no sangue e, consequentemente, representa maiores riscos de doenças cardiovasculares. Isto gerou um grande medo na sociedade em relação ao consumo de ovos. Em uma crônica de Luiz Fernando Veríssimo intitulada “Ovo”, ele descreve bem esse fato: “Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver o ovo fazia mal”.

Esta nova recomendação gerou impacto, não somente nos hábitos alimentares das pessoas, mas também na indústria alimentícia. Face a este desafio, a indústria de ovos financiou estudos investigando os efeitos da ingestão de ovos nos níveis de colesterol e no metabolismo. Esses estudos indicaram que os ovos tiveram pouco efeito no risco de doenças cardiovasculares. Mas, podemos desconfiar de estudos financiados pela indústria, já que há um claro conflito de interesse. Porém, vários outros estudos não financiados pela indústria também falharam em demonstrar a associação entre o consumo de ovos e aumento do risco de doenças cardiovasculares. Diante desses fatos, e do alto valor nutritivo dos ovos, muitas diretrizes dietéticas omitiram um limite diário para o colesterol dietético e incluíram o consumo semanal de ovos como parte de uma dieta saudável. Tudo isso gerou muitas dúvidas e mesmo indignação entre as pessoas, fato que não passou despercebido na crônica de Veríssimo: “o fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos fritos que não comi nestes anos de medo inútil”.

Agora tudo parece mudar novamente! Pesquisadores publicaram resultados de um grande estudo associando o consumo de ovos a um risco aumentado de doença cardíaca e morte. Os pesquisadores da Universidade Northwestern em Chicago coletaram dados de seis estudos nos EUA, envolvendo 29.615 pessoas no total. Esses estudos foram observacionais, o que significa que eles coletaram informações sobre as dietas das pessoas e monitoraram seus resultados de saúde, em vez de pedir às pessoas que sigam uma determinada dieta. No início dos estudos, as pessoas eram solicitadas a fornecer informações detalhadas sobre suas dietas, incluindo quantos ovos eles comem por dia. A saúde dos participantes foi monitorada por uma média de 17,5 anos (em alguns casos por até 31 anos!).

Os cientistas descobriram que para meio ovo consumido por dia, as pessoas tinham um aumento de 6% no risco de desenvolver doença cardiovascular e um aumento de 8% de morte por qualquer causa. Mas para saber se o colesterol contido nos ovos poderia explicar esta associação os pesquisadores avaliaram o consumo de colesterol separadamente, e descobriram que para a ingestão de cada 300 mg de colesterol por dia (provenientes de ovos, carnes e outros produtos), há um risco 17 % maior de doença cardiovascular e 18 % maior de morte por qualquer causa. Uma informação importante neste ponto é que um ovo tem em média 210 miligramas de colesterol. Quando os pesquisadores compararam os riscos eles concluíram que a associação significativa entre o consumo de ovos e a doença cardiovascular incidente foi totalmente explicada pelo teor de colesterol nos ovos.

Mas por que agora devemos acreditar neste estudo e esquecer os anteriores? Os pontos fortes do estudo incluem seu grande tamanho amostral, incluindo quase 30.000 pessoas, com alta diversidade racial e étnica, e que foram seguidos por longo tempo (médias de 17,5 anos). Além disso, a informação recolhida sobre as dietas dos participantes também foi muito detalhada, o que significa que os pesquisadores puderam levar em conta o quanto de gordura saturada, carne, fibra e sódio eles consumiram. Muitos estudos anteriores tinham uma amostra menor, menos diversificada, tempo de análise curto e capacidade limitada de ajustar outros fatores da dieta que podem causar confusão. Todos esses pontos fizerem este novo estudo repercutir fortemente no cenário mundial.

Mas devemos ressaltar também os pontos fracos do estudo. Ele foi um estudo observacional – ao invés de um teste com pessoas sendo solicitadas a consumir quantidades diferentes de ovos – por isso só pode encontrar associações, não uma causa e efeito. É possível, por exemplo, que as pessoas que já têm um maior risco de doença cardíaca e morte devido a outros fatores desconhecidos também consumam mais ovos. Outra fraqueza do estudo é que as pessoas só foram questionadas sobre suas dietas uma vez, então os pesquisadores não tinham como saber se as pessoas mudaram o consumo de ovos ao longo do estudo.

Mas como ficamos agora? Afinal, novamente, podemos citar Veríssimo “não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia ao ovo frito”. Mas podemos manter a calma, afinal os próprios autores do estudo concordam que não devemos banir completamente os ovos e outros alimentos ricos em colesterol das refeições. Os ovos e a carne vermelha são boas fontes de nutrientes importantes, como aminoácidos essenciais, ferro e colina. Consumo de ovo com moderação é bom, e é isso que muitas diretrizes dietéticas continuam a indicar. Em resumo, como tudo na vida, não precisamos radicalizar, apenas moderar.

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