Nosso coração será o mesmo após a COVID-19?

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

A atual pandemia de COVID-19 tem sido um dos maiores desafios da nossa sociedade. E agora, passados alguns anos de seu início estamos percebendo que independentemente da gravidade do quadro inicial de COVID-19 muitas pessoas apresentam acometimentos depois da fase aguda. Esta tem sido uma grande preocupação, já que muitas pessoas depois do quadro de COVID-19 têm muita dificuldade de retornar as suas atividades usuais. Esta condição tem sido chamada de “síndrome pós-COVID” ou “COVID longa”.

Em um estudo publicado recentemente Cientistas Descobriram Que após a recuperação da fase aguda da doença, há um aumento no risco de desenvolvimento de uma série de problemas cardiovasculares como arritmias, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca. E o que é mais preocupante, os riscos aumentados são evidentes mesmo entre aquelas pessoas que não foram hospitalizadas com COVID-19 durante o período agudo da doença. 

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Consumo de gordura, bactérias intestinais e saúde, qual é a relação

Por Daniel Fernandes, Depto. de Farmacologia UFSC

Embora a gordura seja essencial para o funcionamento do nosso organismo, hoje sabemos que o seu consumo excessivo favorece o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. 

Mas como exatamente isto acontece?

Uma série de estudos científicos tem mostrado que as bactérias presentes no intestino, e que compõem a nossa microbiota, são capazes de converter uma substância chamada colina, presente na nossa dieta (abundante em ovos, por exemplo), em uma outra substância chamada trimetilamina (TMA). A TMA é absorvida no próprio intestino e chega até o fígado onde é metabolizada formando um composto de nome um pouco mais complexo, o N-óxido de trimetilamina (TMAO). O TMAO é uma substância tóxica e que favorece o surgimento de doenças do coração. 

Mas afinal o que isso tem a ver com a pergunta inicial sobre a relação entre uma dieta rica em gordura, microbiota e doenças cardiovasculares?

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Como curar um coração partido? As respostas do peixe-zebra

Por Aline Guimarães Pereira e Geison Souza Izídio, Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética – UFSC  – UFSC

O coração dos mamíferos, incluindo o nosso, mostra pouca capacidade de se regenerar após um infarto do miocárdio. Popularmente chamado de ataque cardíaco, o infarto é basicamente a morte de uma parte do músculo cardíaco causada pela falta de irrigação sanguínea.

Mas quando se trata de problemas do coração (sem ser os causados pelo amor), outros animais têm mais sorte do que nós humanos. Por exemplo, várias espécies de vertebrados não-mamíferos são capazes de regenerar seus corações após uma lesão.

A regeneração do coração lesionado foi observada pela primeira vez em anfíbios (sapos, rãs) e agora é descrita em várias espécies de peixes, incluindo o peixe-zebra, também conhecido, no Brasil, como “paulistinha”. Tanto em peixes, quanto em anfíbios, o local da lesão é regenerado através da “reposição” de células, chamadas de cardiomiócitos, que formam o tecido muscular cardíaco em um período variável de 60 a 180 dias, dependendo do tipo de lesão.

A capacidade de regeneração do coração parece ser uma característica herdada, ao longo da Continuar lendo

Medicamento usado para reduzir o colesterol pode melhorar a microbiota intestinal

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

Sinvastatina, rosuvastatina e atorvastatina são exemplos de fármacos que pertencem a uma classe de medicamentos chamada de estatinas. As estatinas são medicamentos utilizados para redução do colesterol com o uso consagrado devido ao perfil favorável de eficácia e segurança. Esta classe de medicamentos é tão amplamente utilizada que estes nomes já são bastante familiares para boa parte da população. Para termos uma ideia, cerca de 25% da população mundial com mais de 65 anos toma uma estatina.

Entretanto, logo se percebeu que os benefícios proporcionados pelo uso das estatinas eram maiores do que inicialmente esperado, e que não poderiam ser totalmente explicados apenas pela redução dos níveis de colesterol. Por exemplo, vários estudos têm documentado que as estatinas apresentam efeito anti-inflamatório.  Mas além de reduzir o colesterol, o que as estatinas estariam fazendo? Como elas exercem este efeito anti-inflamatório?  Esta é uma pergunta que tem intrigado os cientistas ao redor do mundo. No entanto, uma pista importante para ajudar resolver esse mistério veio de um local que poucos imaginaram, do intestino, mais precisamente das bactérias do intestino! Recentemente, cientistas descobriram que as estatinas podem aumentar a quantidade de bactérias benéficas no nosso intestino.

O estudo foi realizado por pesquisadores do MetaCardis Investigators, um projeto de Continuar lendo

A mutação gênica que predispõe os seres humanos à aterosclerose

Por Marco Augusto StimamiglioInstituto Carlos Chagas – Fiocruz/PR 

Estudos científicos que tratam da evolução da humanidade sugerem que a perda de genes foi decisiva na origem de nossa espécie. Estima-se que, entre 2 e 3 milhões de anos atrás, os humanos perderam a função de um gene com a sigla CMAH (proveniente do nome em inglês CMP-Neu5Ac Hydroxylase) . Esse gene permanece atualmente ativo em outros primatas não humanos. A mutação no gene CMAH aumentou a resistência dos nossos ancestrais para correr longas distâncias. Esta ‘vantagem adaptativa’ pode ter sido decisiva na conquista de novos territórios e na fuga de predadores, por exemplo. Naturalmente, é razoável considerar que não foi apenas essa mutação individual que nos trouxe tão atrativa adaptação, mas, possivelmente, também a perda de pelos ​​e a expansão das glândulas sudoríparas tenham ajudado a manter esses ‘maratonistas’ arejados. Seja como for, os cientistas ainda não sabem muito sobre as alterações celulares que nos proporcionaram maior resistência na corrida quando comparados aos macacos. Continuar lendo

Cancele a omelete, os ovos podem matar você! Será?

Por Daniel Fernandes – Dpto de Farmacologia – UFSC

O leitor deve estar pensando neste momento “de novo, não!”. O debate sobre o consumo de ovos realmente parece não ter fim! Na década de 60, foram publicados estudos observacionais que mostravam uma importante associação entre os níveis de colesterol sanguíneo e o risco de doenças cardiovasculares. Sendo o ovo um dos alimentos mais ricos em colesterol e amplamente consumido, ele rapidamente se tornou um vilão. Diante deste cenário, em 1968 a American Heart Association, umas das principais organizações que determina diretrizes para a prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares, recomendou que as pessoas consumissem menos de três ovos inteiros por semana, alegando que o colesterol elevado na dieta é igual a colesterol alto no sangue e, consequentemente, representa maiores riscos de doenças cardiovasculares. Isto gerou um grande medo na sociedade em relação ao consumo de ovos. Em uma crônica de Luiz Fernando Veríssimo intitulada “Ovo”, ele descreve bem esse fato: “Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver o ovo fazia mal”. Continuar lendo

A onda da impressão 3D de tecidos personalizados: como a ciência ensaia reparar o coração

Por Marco Augusto StimamiglioInstituto Carlos Chagas – Fiocruz/PR 

Cientistas da Universidade de Tel Aviv, em Jerusalém, construíram com uma impressora 3D um coração vivo a partir de tecido humano. Essa foi a notícia amplamente veiculada pela imprensa nacional e internacional no mês de abril de 2019. O estudo, publicado na revista Advanced Science, provocou um estado de êxtase na mídia em relação à possibilidade da realização de transplantes cardíacos sem a necessidade de busca por doadores compatíveis ou risco de rejeição. Apesar de seu tamanho reduzido (cerca de três centímetros), o coração impresso apresenta as características físicas bem próximas à realidade (tecido muscular, vasos sanguíneos, câmaras internas) efetivamente impressiona. No entanto, sem tirar o mérito dos cientistas israelenses, é importante ponderar o impacto deste estudo para o desenvolvimento da área de engenharia de tecidos e para sua possível aplicação clínica em pacientes cardíacos.

É bastante evidente a evolução das técnicas e estratégias de impressão 3D de tecidos nos últimos anos. O uso dos chamados hidrogéis, que são polímeros altamente hidratados como o próprio nome sugere (uma espécie de gelatina), permite moldar estruturas tridimensionais vascularizadas (com canais Continuar lendo