A COVID-19 é transmitida por alimentos? Eis a questão…

Por Dra. Izabella Thaís Silva, Dpto. de Farmácia, UFSC

Desde o início da pandemia de COVID-19, a potencial transmissão de SARS-CoV-2 por meio de alimentos tem sido controversa. Várias pesquisas em diferentes países relataram que os consumidores recorreram à lavagem de frutas e vegetais usando água sanitária ou sabão com a intenção de prevenir infecções por SARS-CoV-2. Uma pesquisa do Oriente Médio demonstrou que 70% dos 1.074 participantes estavam preocupados que o vírus causador da COVID-19 pudesse ser transmitido por meio dos alimentos. Outra pesquisa nos EUA, realizada entre abril e agosto de 2020, revelou um aumento significativo na lavagem de produtos com água e sabão durante a pandemia em comparação ao período anterior ao início da pandemia. E no Brasil, isso não foi diferente. Os números revelaram o aumento do uso de detergentes e de água sanitária para lavagem de frutas e vegetais na tentativa de prevenir a infecção viral.

Embora o vírus SARS-CoV-2 seja considerado principalmente um patógeno respiratório, há ampla evidência de sua capacidade de causar infecções entéricas incluindo sintomas de doenças gastrointestinais e a eliminação prolongada do vírus nas fezes de pacientes com COVID-19. Além disso, os alimentos podem potencialmente ser contaminados com SARS-CoV-2 por meio das vias fecal (mãos não higienizadas) e/ou respiratória (gotículas de tosse/espirro). Em estudos de laboratório, foi demonstrado que carnes em geral (porco, carne bovina e salmão) contaminadas artificialmente com baixas concentrações de SARS-CoV-2 e, armazenadas sob condições de refrigeração ou de congelamento, foram positivas para o patógeno por pelo menos 9 e 20 dias, respectivamente. No entanto, sabe-se que o SARS-CoV-2 é altamente sensível ao tratamento térmico com uma importante redução de infecciosidade quando submetido a temperatura de 70°C e, por isso, espera-se que o manuseio seguro e o cozimento adequado dos produtos cárneos mitiguem possíveis riscos à saúde associados a vários patógenos transmitidos por alimentos.

No entanto, faltam estudos que investiguem a sobrevivência e a transmissão do SARS-CoV-2 em produtos congelados. Diante disso, pesquisadores do Centro de Segurança Alimentar e do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade da Geórgia (EUA) estudaram a sobrevivência do vírus em frutos vermelhos frescos e congelados e também determinaram a eficácia da lavagem com água para remover os vírus dos frutos contaminados. Os frutos vermelhos representam um grupo de alimentos com elevado risco de disseminação de patógenos, em especial o norovírus humano e o vírus da hepatite A, sendo historicamente responsáveis por grandes surtos ao redor do mundo desses dois patógenos virais. Os pesquisadores avaliaram especialmente mirtilos e morangos porque representam morfologias de superfície distintas e ambos podem ser consumidos frescos ou congelados sem processamento adicional.Para isso, os pesquisadores inocularam uma quantidade conhecida de vírus (denominada de título viral) em mirtilos e morangos e, então, eles foram armazenados em embalagens estéreis por sete dias numa câmara refrigerada a 4oC ou por 28 dias a
-20oC (congelados em sacos estéreis). Os frutos foram processados para recuperação viral em diferentes períodos durante o armazenamento e comparados com frutos não inoculados que foram chamados de controles negativos da experimentação.

Em paralelo, os pesquisadores investigaram a efetividade da lavagem dos frutos contaminados com água para eliminação dos vírus. Para isso, mirtilos e morangos foram inoculados com SARS-CoV-2 e, após certo período, foram lavados, por imersão, durante 10 minutos com água à temperatura ambiente. Após esse período, os frutos foram processados para os cientistas determinarem o título infeccioso de SARS-CoV-2 remanescente. De fato, os cientistas descobriram que lavar os frutos frescos com água reduziu cerca de 90% da carga viral por grama de fruto. Além disso, eles evidenciaram que o SARS-CoV-2 permaneceu infeccioso por pelo menos uma semana em frutos frescos e por um mês em frutos congelados o que é um alerta já que este alimento é consumido sem qualquer processamento ou cozimento pelos consumidores.

Porém, ao se avaliar as reduções de infecciosidade viral com o passar do tempo os pesquisadores concluíram que frutos contaminados e deixados a 4oC (temperatura de geladeira) por três dias apresentaram uma redução de carga viral em torno de 90%. A contaminação de frutos vermelhos congelados foi mais preocupante, pois não houve redução de carga viral por pelo menos 28 dias.

Sabe-se que um único evento de tosse de uma pessoa com COVID-19 emite cerca de 100.000 partículas de SARS-CoV-2 para o ambiente. Levando em consideração os achados desse estudo, mesmo que todas as 100.000 partículas de um único episódio de tosse contaminassem os frutos frescos, seria esperado uma redução de pelo menos 90% na quantidade de SARS-CoV-2 infeccioso se medidas simples, como a lavagem dos frutos em água e armazenamento a 4°C, fossem aplicadas.

Para saber mais, acesse o artigo original:

Nosso coração será o mesmo após a COVID-19?

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

A atual pandemia de COVID-19 tem sido um dos maiores desafios da nossa sociedade. E agora, passados alguns anos de seu início estamos percebendo que independentemente da gravidade do quadro inicial de COVID-19 muitas pessoas apresentam acometimentos depois da fase aguda. Esta tem sido uma grande preocupação, já que muitas pessoas depois do quadro de COVID-19 têm muita dificuldade de retornar as suas atividades usuais. Esta condição tem sido chamada de “síndrome pós-COVID” ou “COVID longa”.

Em um estudo publicado recentemente Cientistas Descobriram Que após a recuperação da fase aguda da doença, há um aumento no risco de desenvolvimento de uma série de problemas cardiovasculares como arritmias, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca. E o que é mais preocupante, os riscos aumentados são evidentes mesmo entre aquelas pessoas que não foram hospitalizadas com COVID-19 durante o período agudo da doença. 

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O câncer de boca e a COVID-19

Por Filipe Modolo – Dpto. de Patologia, UFSC

Adaptado de fonte

Felizmente a ciência tem sido incansável na busca da redução dos efeitos da pandemia da COVID-19. Alguns dos muitos estudos científicos que trataram de aspectos relacionados à pandemia da COVID-19 foram analisados por mim nesse blog científico: “O impacto da COVID-19 na saúde bucal,O impacto emocional da COVID-19, “Os ensinamentos da pandemia” e Glândulas salivares são alvos para o coronavírus”. No entanto, quanto mais a ciência se aprofunda no estudo dessa doença, mais complicada se mostra a rede de conexões biológicas existente na interação entre o coronavírus (SARS-CoV-2) e o seu hospedeiro humano. 

Cientistas descobriram que pode haver uma relação muito íntima entre a COVID-19 e o câncer de boca. Já foi massivamente divulgado que a boca é uma porta de entrada importante para a infecção pelo SARS-CoV-2 e que a perda do paladar (chamada tecnicamente de disgeusia) é um dos primeiros sintomas da COVID-19. A disgeusia, quando reconhecida, pode ser o primeiro passo no processo de diagnóstico precoce dessa grave doença. Ambos os eventos (a infecção e a perda do paladar) são atribuídos, principalmente, à ligação entre o SARS-CoV-2 e o receptor ACE2 presente nas células epiteliais da boca, principalmente, na superfície da língua.

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Não basta o vírus da COVID-19, agora existe um fungo também?

Por Kelmer Martins da Cunha & Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos,  Depto. BOT-CCB/UFSC

Você já ouviu falar que na Índia existe um fungo que pode representar uma nova ameaça aos portadores da COVID-19?

A COVID-19 já causou mais de quatro milhões de mortes no mundo, e continua matando milhares diariamente. Também sabemos que a doença pode deixar sequelas nas pessoas, mas é difícil imaginar que a situação poderia ficar ainda pior. Recentemente, uma doença chamada popularmente de “fungo negro” ganhou grande atenção na mídia por disparar um alerta das autoridades de saúde, que já estavam preocupadas com a evolução da pandemia de Sars-CoV-2, em especial nos países em desenvolvimento e populosos, como a Índia, onde acometeu mais de 30 mil pessoas. No Brasil ainda são poucos os casos, até agora menos de 100 foram registrados.

Estamos falando da mucormicose, uma doença grave, porém não transmissível, que se inicia através da inalação, ingestão ou introdução pela pele de esporos de um fungo. O que espanta é o alto índice de mortalidade, que pode chegar a 50%. Muitas vezes, os pacientes que sobrevivem precisam passar por cirurgias para remoção de partes de seus corpos.

Culturas de fungos Mucorales, algumas das espécies causadoras da mucormicose.

Juntamente com essa nova doença vem se alastrando alguns equívocos que precisam ser corrigidos. Por exemplo, não se trata de uma única espécie, assim como não deve ser chamada de “fungo negro”. A mucormicose pode ser causada por diferentes espécies de fungos Mucorales, que dão nome à doença. Esses fungos não produzem o pigmento escuro, chamado melanina, em sua composição celular, então não são “fungos negros” propriamente.

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Mas e a ivermectina?

Por Daniel Fernandes, Departamento de Farmacologia UFSC

Recentemente, escrevi aqui um texto comentando estudos que mostram a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19 (Afinal, temos evidências para o uso da hidroxicloroquina na COVID-19?). Curiosamente, a pergunta que mais ouvi dos leitores foi sobre a ivermectina. “Mas e a ivermectina? Funciona para COVID-19?”. De fato, esta é uma pergunta muito relevante e que merece ser abordada!

A ivermectina é um fármaco indicado para o tratamento de doenças parasitárias, desenvolvido há mais de 50 anos. Devido a importância da ivermectina no combate de doenças parasitárias, a descoberta do medicamento rendeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2015 aos pioneiros dos estudos, o irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura (Prêmio Nobel 2015: medicina, física e química).

Mas a discussão atual sobre a ivermectina começou após a publicação de um estudo que mostrou que o fármaco é capaz de reduzir a replicação do vírus SARS-CoV-2 in vitro1 (células cultivadas em laboratório). Desde então, alguns estudos observacionais têm sugerido uma potencial eficácia da ivermectina contra COVID-19. Junto com isso surgiram muitas notícias e promessas de que a ivermectina teria atividade imunológica e antiviral. 

Mas afinal o que sabemos até o momento?

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O paradoxo lockdown e a teoria de jogos

Por Paula Borges Monteiro Grupo de Estudos em Tópicos de Física – IFSC

O ganhador do Oscar de melhor filme de 2002, A Beautiful Mind (no Brasil, “Uma Mente Brilhante”), conta a história de John Forbes Nash, um matemáticonorte-americano, esquizofrênico que trabalhou, entre outros temas, com Teoria de Jogos. Se você ainda não assistiu, vale a pena! Em uma das cenas do filme, em um bar, o personagem principal antecipa as ações dos colegas para decidir seu próximo passo (tudo o que podemos dizer sem spoiler). Este pequeno recorte exemplifica o objeto de estudo do ramo da matemática aplicada, denominado Teoria de Jogos, que trata de estratégias e ações utilizadas pelos jogadores para obterem o melhor resultado. Alguns exemplos como o Equilíbrio de Nash, o Dilema do Prisioneiro, o problema de Monty Hall (conhecido como a porta dos desesperados em um antigo programa infantil) ou o Paradoxo de Parrondo,  podem ser aplicados em diferentes áreas como Economia, Filosofia, Inteligência Artificial, Biologia Evolutiva, Ciências Políticas, Ciência da Computação, entre outras. Cientistas descobriram que … o Paradoxo de Parrondo pode ser aplicado no estudo do “custo” da epidemia de COVID-19.

Mini pulmões cultivados em laboratório são utilizados no combate à Covid19

Por Ricardo Castilho Garcez, Dpto. de Biologia Celular, Embriologia e Genética da UFSC.

Os organoides, minúsculas cópias de órgão humanos criadas em laboratório, passam a contribuir no enfrentamento da Covid19.  Pesquisadores da Weill Cornell Medicine (USA) desenvolveram organoides de pulmões e intestinos para estudar os mecanismos de infecção do vírus SARS-Cov2 (que causa Covid19) e testar possíveis medicamentos.

Os casos e mortes por Covid-19 continuam a aumentar em todo o mundo. Atualmente, a maioria dos modelos de estudo limita-se a utilização de células cultivadas e o uso de alguns animais de laboratório. Esses modelos ajudam muito, mas apresentam várias limitações. Em sistemas de cultivo de células isoladas, a complexidade do tecido e do órgão é perdida. Dados obtidos com animais de laboratório, muitas vezes não reproduzem o que ocorre na nossa espécie. O vírus  SARS-CoV-2 infecta principalmente o trato respiratório, mas quase 25% dos pacientes com Covid-19 também apresentam sintomas gastrointestinais, que estão associados aos casos mais graves.

O Dr. Shuibing Chen e o Dr. Robert Schwartz utilizaram células-tronco humanas de pluripotência induzida (iPSC) para Continuar lendo