Por Kelmer Martins da Cunha & Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos, Depto. BOT-CCB/UFSC
Você já ouviu falar que na Índia existe um fungo que pode representar uma nova ameaça aos portadores da COVID-19?
A COVID-19 já causou mais de quatro milhões de mortes no mundo, e continua matando milhares diariamente. Também sabemos que a doença pode deixar sequelas nas pessoas, mas é difícil imaginar que a situação poderia ficar ainda pior. Recentemente, uma doença chamada popularmente de “fungo negro” ganhou grande atenção na mídia por disparar um alerta das autoridades de saúde, que já estavam preocupadas com a evolução da pandemia de Sars-CoV-2, em especial nos países em desenvolvimento e populosos, como a Índia, onde acometeu mais de 30 mil pessoas. No Brasil ainda são poucos os casos, até agora menos de 100 foram registrados.
Estamos falando da mucormicose, uma doença grave, porém não transmissível, que se inicia através da inalação, ingestão ou introdução pela pele de esporos de um fungo. O que espanta é o alto índice de mortalidade, que pode chegar a 50%. Muitas vezes, os pacientes que sobrevivem precisam passar por cirurgias para remoção de partes de seus corpos.

Juntamente com essa nova doença vem se alastrando alguns equívocos que precisam ser corrigidos. Por exemplo, não se trata de uma única espécie, assim como não deve ser chamada de “fungo negro”. A mucormicose pode ser causada por diferentes espécies de fungos Mucorales, que dão nome à doença. Esses fungos não produzem o pigmento escuro, chamado melanina, em sua composição celular, então não são “fungos negros” propriamente.
Agora você deve estar se perguntando:
Esses fungos estão em outros países? Já chegaram ao Brasil?
A mucormicose é um problema real para os brasileiros?
A resposta é bem simples: sim, esses fungos já estão em outros países, inclusive no Brasil. Na verdade sempre estiveram, pois são encontrados em praticamente todos os ambientes do planeta, amplamente distribuídos na natureza. São decompositores de matéria orgânica e desempenham um papel importante na ciclagem de nutrientes. Podem inclusive ser encontrados em diversos tipos de queijos, pois estão envolvidos no processo de fermentação.
Isso mesmo, fungos que você pode encontrar nas frutas da sua fruteira ou no vaso de suas plantas estão causando a morte de pessoas com imunidade comprometida, inclusive daquelas contaminadas pelo vírus da COVID-19. Mas calma! Isso não quer dizer que você precisa parar de comprar frutas e jogar fora suas plantas.
Alguns fungos possuem uma capacidade incrível de sobrevivência, e de se adaptar facilmente a diferentes condições. Muitos deles estão em contato com o nosso corpo o tempo todo, mas nosso sistema imunológico é poderoso e eficiente no combate às
infecções fúngicas. No caso da mucormicose, a doença só se desenvolve no corpo humano quando não há defesa capaz de combater o fungo, sendo por isso chamado de oportunista. Então, de fato é um problema para as pessoas com sistema imunológico comprometido, seja por doenças crônicas como a diabetes, ou casos agudos, como a infecção por COVID-19.
Já sabemos que o próprio tratamento para essas doenças pode ser a “porta de entrada” dos fungos. Os remédios diminuem a resposta inflamatória do organismo, fazendo com que o sistema de defesa não seja uma barreira para os fungos oportunistas.
Obviamente que não podemos afirmar que o problema da Índia seja a utilização de remédios no tratamento da COVID-19, assim como não podemos dizer que a mucormicose surgiu na Índia. Precisamos lembrar que não há clareza ainda sobre qual a real causa do aumento de casos de mucormicose naquele país, e para isso são necessários estudos de qualidade, seguindo uma metodologia científica responsável. Portanto, essa é somente uma das hipóteses, que se soma também ao alto índice de diabéticos na Índia. Exatamente, a diabetes é um sim um fator que compromete o sistema imunológico das pessoas e pode ser uma porta de entrada para a mucormicose.
A mucormicose sempre esteve no Brasil, com registros desde 1970. E mesmo que não se conheça por completo a relação entre COVID-19 e essa infecção fúngica o aumento do número de casos não deve causar espanto. É necessário reforçar medidas profiláticas que são muito bem conhecidas e adotadas nos ambientes hospitalares, já que são a única forma de prevenção da infecção por fungos.
Por parte da população, tendo imunidade baixa ou não, o ideal é não se infectar com o Sars-CoV-2. Até mesmo porque há casos no Brasil de pessoas consideradas saudáveis quanto ao seu sistema imunológico, mas que estão com COVID-19 e também mucormicose. Máscara, distanciamento e vacina ainda são as melhores formas de evitar a COVID-19. Fica claro que o principal problema ainda é o vírus e não propriamente o fungo.
Para mais informações acesse os links abaixo:
MUCORMICOSE – O “Fungo Negro”. Realização de Prof. Dr. Sandro Rogério de Almeida.
MUCORMICOSE rino-órbito-cerebral.: 3. Colorações especiais: Grocott + verde luz, PAS + hematoxilina.
FUNGAL Diseases: Mucormycosis. Center for Disease Control and Prevention.
Updates on the taxonomy of Mucorales with an emphasis on clinically important taxa.
Sutton, D. A., Rinaldi, M. G., & Sanche, S. E. (2009). Dematiaceous fungi.
Zygomycosis: conventional laboratory diagnosis.
Melanized Fungi in Human Disease.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Mucormicose (Fungo Negro). 2021.
Excelente artigo! Realmente é caso da OMS se manter vigilante, mas manter o foco no vírus da covid-19.