Por Filipe Modolo – Dpto. de Patologia, UFSC

Não é novidade para ninguém que estamos vivendo um momento trágico na história da humanidade, talvez um dos momentos mais difíceis da Idade Contemporânea. Não há dúvidas de que a pandemia do COVID-19 trouxe muitos prejuízos, como a perda da vida das pessoas amadas, diversas sequelas naqueles que se recuperaram, saturação dos sistemas de saúde público e privado, retração econômica com aumento no desemprego entre outros problemas muito sérios. Diversos textos desse blog científico já trataram dessas repercussões negativas da pandemia, com destaque para “O impacto da COVID-19 na saúde bucal” e “O impacto emocional do COVID-19”.
No entanto, de acordo com a “metáfora do copo meio cheio, meio vazio” ou a “filosofia de buscar o lado bom das coisas ruins” todas as situações, por pior que pareçam, podem ter um lado bom – muitos chamariam isso de comportamento Poliana (menina que sempre procurava extrair algo de bom em todas as situações, mesmo as mais desagradáveis, personagem do livro clássico “Pollyana”, escrito em 1913 por Eleanor H. Porter). A pandemia do COVID-19, por incrível que pareça, também gerou repercussões positivas…
Cientistas descobriram que o lockdown (termo em inglês para descrever as medidas de isolamento social extremo), determinado pelas autoridades como medida para redução da transmissão do coronavírus, levou a diversas alterações positivas na dinâmica familiar, com repercussão direta no comportamento de crianças e adolescentes [1]. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Roma “Tor Vergata” e do Hospital Universitário Integrado de Verona (ambos da Itália, um dos países mais afetados pela pandemia na Europa) avaliou 212 pacientes odontológicos, com idade entre três e 16 anos (média de nove anos), utilizando um questionário que investigava atividades escolares, brincadeiras, tipo de dieta, tempo dedicado à higiene oral e atividades realizadas com os pais, após dois meses de lockdown. Além disso, utilizaram uma escala de comportamento (“Frankl Behaviour Rating Scale”) para medir o nível de cooperação dos pacientes frente ao atendimento odontológico.
Os resultados foram muito impactantes, pois mostraram que a presença dos pais em casa levou a diversas alterações positivas no comportamento dessas crianças e adolescentes. No campo restrito da odontologia, o envolvimento de pais e filhos em atividades lúdicas cotidianas resultou em crianças com melhora significativa na colaboração com o cirurgião-dentista durante as consultas e aumento do tempo dedicado à higiene oral, mudanças notáveis!
No entanto, preciso pedir licença para meus colegas cirurgiões-dentistas e enfatizar resultados mais notáveis ainda… é sabido que os pais são o primeiro modelo para os filhos e, por isso, exercem influência significativa no desenvolvimento comportamental, personalidade, bem-estar social e cognitivo dos filhos. Assim, crianças de famílias unidas e pacíficas apresentam maior segurança emocional e comportamento mais construtivo, o que facilita a construção de relações sociais estáveis e positivas. Além disso, o tempo de brincadeiras familiares está diretamente associado ao bem-estar da criança. Durante o lockdown, esse convívio intensificou-se, em tempo e qualidade, gerando diversos frutos positivos para as crianças e para os pais.
O aumento da presença e atenção que os pais dedicaram aos filhos (fruto da convivência intensa imposta pelo lockdown) e o tempo dedicado às atividades lúdicas supriram a necessidade emocional dos filhos de envolvimento com o seus pais. Isso foi traduzido tecnicamente em aumento do nível de colaboração dos pacientes, mas deve ser interpretado como algo muito maior: crianças que conviveram mais com os pais apresentaram-se mais saciados emocionalmente, com maior senso de responsabilidade e vida mais organizada.
Fazendo uma transposição futura desses resultados, possivelmente poderemos observar, em breve, uma geração de pessoas:
- Emocionalmente saciadas (pelo amor e presença dos pais) que, seguramente, estarão predispostas a construir relações sociais mais saudáveis e construtivas;
- Com maior senso de responsabilidade com seus semelhantes e com o mundo;
- Mais organizadas e, portanto, mais produtivas.
Essas três características podem ser decisivas para a reconstrução da nossa sociedade após a pandemia… Infelizmente, nem todas as crianças têm a oportunidade de crescer em famílias onde existe tempo de qualidade, ou mesmo condições para construção de relações saudáveis e convivência harmônica. Mas nenhuma realidade é imutável e cabe a todos nós colaborar para que esta realidade positiva se reproduza nas vidas do maior número de crianças possível!Quais outros ensinamentos da pandemia podem ajudar na construção de um mundo melhor? Convido todos vocês a refletirem sobre isso…
Para saber mais detalhes, acesse o artigo original abaixo: