Por Bruno Costa da Silva – Champalimaud Centre for the Unknown/Lisboa – Portugal
Como discutido no artigo do CDQ de 30 de outubro de 2013 (Abaixo à corrupção tumoral!), apesar das células cancerígenas serem as protagonistas nas lesões tumorais, a conivência de células não tumorais, como as do sistema imune, é chave para o aparecimento e progressão maligna de tumores. Apesar de já estudada durante alguns anos, a utilização de células imunes geneticamente modificadas para matar tumores, também conhecidas como células T com receptor de antígeno quimérico ou células T CAR, só foi aprovada para uso em pacientes em 2017 pelo FDA dos Estados Unidos (U.S. Food & Drug Administration). Essa aprovação, inicialmente aplicada em pacientes pediátricos com leucemia e adultos com linfomas, abriu uma encorajadora gama de possibilidades para a potencial erradicação de tumores de difícil tratamento, como os com espalhamento metastático. Utilizando como base um racional parecido, em um trabalho liderado pelo Dr. Andrew Oberst da Universidade de Washington, publicado na revista Science Immunology, em junho de 2019, Cientistas Descobriram Que a inoculação de células não tumorais em estado moribundo são capazes de induzir significante resposta imune antitumoral em animais.
Foi observado que a indução em laboratório de um tipo específico de morte celular programada, conhecido como necroptose, tanto de células tumorais quanto de fibroblastos (células não tumorais que desempenham papel chave na cicatrização de tecidos), era capaz de desacelerar ou até mesmo inibir por completo o crescimento de tumores em camundongos. Além disso, animais com melanoma que foram injetados com fibroblastos “necroptóticos” apresentaram uma maior sobrevida quando comparado com camundongos injetados com fibroblastos saudáveis. Um achado interessante foi que este efeito antitumoral ocorria mesmo quando os fibroblastos necroptóticos eram injetados em locais diferentes dos da lesão tumoral em si. Isso sugeriu que a redução dos tumores provavelmente não ocorria necessariamente pelo contato direto das células tumorais com células injetadas, mas talvez por algum processo que envolvesse a interação dessas com outras células e componentes do organismo. De fato, o efeito antitumoral observado após a injeção das células era substancialmente diminuído em animais que possuíam deficiência de células do sistema imune com sabida função antitumoral, como as células dendríticas, linfócitos T CD8 e células fagocitárias.
Pensando em aprimorar a estratégia, os cientistas investigaram se a indução de necroptose em células tumorais, através de vírus geneticamente modificados, seria capaz de gerar resultados antitumorais semelhantes. De fato, os tais vírus geneticamente modificados conseguiram induzir efeito antitumoral semelhante aos observados com a injeção de fibroblastos alterados geneticamente, abrindo a possibilidade para o futuro uso desta estratégia sozinha ou em conjunto com drogas já existentes, para o controle de doenças tumorais.
Apesar dos dados encorajadores, é preciso ressaltar que este estudo foi feito com células injetadas na pele dos animais de laboratório. Apesar de reproduzir razoavelmente tumores de pele, a maioria dos tumores confinados em seu local primário de crescimento apresenta um grau significante de curabilidade por remoção cirúrgica. Os casos realmente desafiadores e frequentemente letais, como os com espalhamento metastático dos tumores para outros tecidos, não foram testados neste trabalho. Nesse sentido, estudos adicionais envolvendo animais com tumores metastáticos serão essenciais para verificar se a estratégia apresentada terá de fato potencial de um dia ser utilizada em pacientes. Outro ponto importante diz respeito ao fato de os animais de laboratório serem idênticos uns aos outros. Apesar desta homogeneidade ser de grande ajuda para a identificação de aspectos celulares e moleculares por trás dos efeitos observados em laboratório, ela desconsidera a enorme heterogeneidade genética e imunológica presente em populações humanas. Dessa forma, mesmo que os achados mostrados neste trabalho sejam verificados e aprofundados em trabalhos futuros em animais de laboratório e em pacientes humanos, será necessário identificar aspectos moleculares que permitam reconhecer pacientes que virão ou não a se beneficiar desta potencial modalidade de tratamento.
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