Há um terceiro elemento na simbiose dos Liquens

Por Cauê Oliveira & Elisandro Ricardo Drechsler-Santos                                                 Depto. de Botânica e PPGFAP – UFSC

Figura 1: À direita o líquen marrom Bryoria fremontii; à esquerda o líquen marrom Bryoria fremontiide. Fonte: artigo original deTony Spribille e colaboradores.

Figura 1: À direita o líquen marrom Bryoria fremontii; à esquerda o líquen marrom Bryoria fremontiide. Fonte: artigo original deTony Spribille e colaboradores.

A definição de espécie é um dos grandes dilemas centrais e históricos da Biologia, ciência que estuda a vida. Imaginem o alvoroço na comunidade científica quando, em 1867, o botânico suíço Simon Schwendener revelou que os liquens não eram uma espécie, mas uma associação entre dois tipos de organismos, ou seja, uma simbiose de um fungo com uma alga ou cianobactéria. Naquela época, era inconcebível imaginar que um líquen poderia ser resultado da interação de duas espécies. Acreditem, em 2016 o maravilhoso da descoberta científica bate novamente à porta dos liquenólogos, profissionais que estudam esses organismos fascinantes. Levamos quase 150 anos para saber que essa não é uma simbiose de dois tipos de organismos, mas sim de três.

Nos liquens, é conhecido que o parceiro fúngico, chamado de micobionte, protege e dá ambiente adequado para que o fotobionte (a alga ou a cianobactéria) possa, através da fotossíntese, gerar energia para ambos. Basicamente, quando olhamos os líquens no microscópio é possível observar um tipo de malha de células filamentosas, as hifas do fungo, geralmente do grupo Ascomycota. Imersas nessa malha de hifas estão as algas ou cianobactérias, que são unicelulares. Poderíamos nos perguntar: Evolutivamente, como é que se deu essa associação? Talvez nunca conseguiremos saber a resposta, mas certamente a troca de favores nessa simbiose nos leva a crer que esses fungos foram um dos primeiros “fazendeiros” do planeta, inovando ao se associar e se utilizar de outros seres vivos para conseguir alimento. Essa é uma relação simbiótica de sucesso, conferindo aos liquens a possibilidade de sobreviver aos ambientes mais extremos, desde as geleiras da Antártica até as terras mais áridas do planeta.

Tudo bem, mas como é que foi descoberto que a simbiose liquênica depende de um terceiro elemento? Essa história é fascinante e começa com o interesse do liquenólogo Tony Spribille, da Universidade de Graz na Áustria, que, com outros pesquisadores colaboradores de outras Universidades, estudou dois liquens (Bryoria fremontii e Bryoria tortuosa) (Figura 1) que ocorrem na mesma região do estado de Montana (EUA). Os pesquisadores realizaram estudos genéticos para entender o porquê de esses dois liquens terem aparência macroscópica diferente, já que são idênticos ao microscópio. Bryoria fremontii tem uma coloração marrom escura, enquanto Bryoria tortuosa é amarelada, por causa da presença de uma substância tóxica, o ácido vulpínico. Os primeiros resultados mostraram que não há diferenças genéticas suficientes para considerar os liquens como espécies diferentes. Isso significa que a maior produção do ácido naqueles indivíduos amarelados estava relacionada com algo que os pesquisadores não estavam observando.

Em um segundo teste, a partir de uma técnica específica, foi possível detectar que nas amostras do líquen, além da informação genética do fungo Ascomycota e da alga, havia também outro fungo unicelular (Cystobasidium sp.). Esse fungo pertence a um grupo de leveduras Basidiomycota e não forma aquela malha de hifas como do fungo Ascomycota, o que explica o fato de não serem observadas ao microscópio. Inclusive, os pesquisadores tiveram que utilizar um método de fluorescência (Figura 2) para poder revelar as leveduras, que estavam presentes tanto nos indivíduos amarronzados quanto nos amarelados, mas em maior quantidade nesses últimos. Ou seja, as leveduras seriam as responsáveis pela produção do ácido que também é maior nos indivíduos amarelados. Embora os pesquisadores tivessem a resposta para sua pergunta inicial, eles precisavam ir além. Naquele momento, saber se outras espécies de liquens do mundo inteiro também poderiam apresentar as leveduras em suas associações simbióticas era o mais importante. Para isso, repetiram os mesmos estudos com mais de 50 gêneros de liquens, de diferentes famílias e de outros lugares do planeta, e conseguiram comprovar que, além do fungo Ascomycota e da alga ou cianobatéria, os liquens estudados também apresentaram uma levedura Basidiomycota na simbiose. Esses resultados foram publicados recentemente (julho de 2016) na famosa revista científica Science.

Figura 2: Imagens do método de fluorescência para identificação do novo simbionte fúngico nos liquens. (A) o líquen marrom Bryoria fremontii; (B) o líquen marrom Bryoria fremontii com poucas leveduras fluorescentes; (C) o líquen amarelado Bryoria tortuosa; (D) o líquen Bryoria tortuosa com muitas leveduras fluorescentes, indicativo da produção excessiva de ácido vulpínico, responsável pela toxicidade deste líquen. Fonte: artigo original.

Figura 2: Método de fluorescência para identificação do novo simbionte fúngico nos liquens. (A) o líquen marrom Bryoria fremontii; (B) o líquen marrom Bryoria fremontii com poucas leveduras fluorescentes; (C) o líquen amarelado Bryoria tortuosa; (D) o líquen Bryoria tortuosa com muitas leveduras fluorescentes, indicativo da produção excessiva de ácido vulpínico, responsável pela toxicidade deste líquen. Fonte: artigo original.

Embora um novo e imenso campo se abra para a investigação sobre o papel destas leveduras, da forma como influencia nas fases de vida dos liquens e de possíveis subprodutos do seu metabolismo com potencial para aplicação na sociedade, a descoberta por si só marcará a história do estudo dos liquens nos livros de liquenologia. Que incrível é a sensação de estarmos ainda aprendendo sobre os liquens, fungos, algas, bactérias, entre outros organismos tão pouco conhecidos. Essa descoberta coloca ainda mais em evidência esses seres vivos que, de modo geral, ainda são desprezados na sociedade e comunidade científica, mostrando que ainda ignoramos muitas relações ecológicas fantásticas.

Para saber mais acesso o artigo original, clicando aqui.

4 comentários sobre “Há um terceiro elemento na simbiose dos Liquens

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  3. Artigo muito interessante! Parabéns pelo texto, agradável de ler e fácil de compreender. Mas tenho uma pergunta, desculpe por minha ignorância: se ambos os líquens são geneticamente idênticos, com a única diferença de um ter o fungo unicelular, como saber se não este não se trata de um patógeno? Dois líquens iguais, mas um doente e outro não (talvez como não há nenhum prejuízo para o que tem o fungo unicelular, não possa ser considerado doente?)

    Parabéns mais uma vez!

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